sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Enquanto percorro os longos corredores do antigo hospital penso em quanta dor escorre daquelas paredes.

Esquecemos frequentemente quem somos. Sempre na minha vida aparece alguém que me abana e acorda. Na verdade, nem sequer existimos, somos imagens de nós próprios que outros nos devolvem.

Ah! O desencontro de idades no mesmo ser! Ainda que aprecie o espírito, sou pela carne!


quinta-feira, 13 de outubro de 2016


Não há aperfeiçoamento sem repetição.

Tal como o cais quando passamos de comboio nos parece em movimento e nos dá a ilusão que passa por nós, assim passamos nós pelo tempo e não ele por nós.
Quanto ao relógio, ele existe: é o nosso próprio corpo.

Não há caminho comum; cada um vai na sua direcção. Que dupla estupidez: Pensar que vamos todos para o mesmo sítio e  que seja o que escolhemos o único caminho!



A minha razão desfez-se contra a parede como um pau de giz contra a ardósia.

Quanta agitação! Parece que piso grandes placas de gelo que balançam à medida que avanço. por todos os lados, a incerteza. E as incertezas são, quase sempre, ameaças.

Não sei se é o eco desse balanço que me conduz à dúvida, ao ver debaixo dos meus olhos transmutar-se o que penso no seu contrário, ou se é esta dúvida o que faz abanar o mundo.


sexta-feira, 23 de setembro de 2016


Estamos cada mais sozinhos mas temos que estar à altura das nossas memórias. 
estar à altura, tudo se resume a isto.
Quando morrer -- ao contrário do que diz a gaia ciência -- não morrerei sozinho: de certa forma, comigo vai uma multidão...


quarta-feira, 21 de setembro de 2016


É quase impossível não perceber que a vida é uma longa derrota!
Ao contrário do que supomos os sonhos não são uma janela aberta por onde a nossa alma sai a voar, mas sim um miradouro para dentro de nós.
Quero mirar-me e não me esquecer que sou quem fui e ter sempre presente a morte para onde vou. Que importa o medo? digo, repito, desde sempre.
Não se metam comigo.
A solidão mata e é por isso que temos que falar connosco.





quarta-feira, 7 de setembro de 2016

[á SR]


Todos temos um longe corredor pela frente e à medida que mais longe a vista alcança parece que mais estreito se torna, mas quando lá chegamos verificamos que se alargou tanto quanto o ponto donde partíramos.
Este corredor é cada vez mais comprido.

Pertenço ao lote daqueles de quem se diz não terem sorte. Os deuses só voaram em meu socorro quando tudo parecia perdido. Prossigo aprendendo com o que me acontece. A vida é uma aventura que deixei de viver por falta de hábito. Luto por perder a fé e as ilusões; os desejos desintegram-se pela dissecação. No limite, só se obtém o que se desdenha.

O Verão já ressequiu as folhas das tílias, o Outono não tardará.

Este corredor é cada vez mais comprido.




sexta-feira, 2 de setembro de 2016


Não é quem está na berma da estrada que podemos considerar companheiros de marcha. E se formos desapaixonados veremos como engrossam tanto quantos nos contemplam à beira do caminho. A única companhia indispensável é a memória.
Já desisti. E não é deitar a toalha ao chão ou nele pousar o joelho com o cerviz curvado. Não!: -- pelo contrário! É arrumar as dúvidas. Esmagar as ilusões. É perceber que uma coisa são as coisas, outra as volições e demais intenções: Nevoeiros... Olhar, face a face, a luz , o sol... Não ir à procura das coisas mas perceber que à medida que vamos elas vêm (ou não) ter connosco. E que não vale a pena termos contemplações ou emoções quanto a isso.
Quando a nossa própria força se vira contra nós não basta desviá-la de nós mesmos, mas necessário também se torna aliviar a tensão e permitir que ela se dissipe.
Caso contrário, destrói-nos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2016


Vivo este Agosto como vivo estes tempos, placidamente, mas com uma calma tensa e a consciência que nada vai durar, pressentindo o rebentar próximo da tempestade…
O calor amadurece o mundo. (Tudo traz a morte no bojo).
Os sonhos desfazem-se em quimeras, como se desejar o simples fosse uma ambição desmedida…
O fim resistir
Levantar o céu, levantar o véu, desembaraçar-me as teias, mergulhar as mãos na imagem reflectida na água. Partir, que afã
No verão tudo é carregado, as cores e os odores. A fruta madura anuncia a colheita. Na sombra do apogeu germina já a queda.
Episodicamente, intoxico-me com os sonhos e deliro. Pela violência e frequência da febre reconheço a gravidade do estado. Mas saber que se sonha já é estar acordado.
Com a incerteza do que virá (com o terrível no horizonte) é cada vez mais comum o sentimento de viver o presente sem futuro. Ora do dia-a-dia ao aqui e agora -- o velho abre-te sésamo! – andamos, com a mais profunda angústia na alma, perigosamente com um pé no sonhado.

A queda persegue o apogeu como a sombra o segue.

[8 de Agosto de 2012]

segunda-feira, 8 de agosto de 2016



Ninguém escapa!
Durante muito tempo enganei o tempo. Ele não esquece nem perdoa. O seu peso vem com os desgostos. E um dia acordas com ele sobre os ombros. É preciso correr à sua frente para ele não nos apanhar. Enquanto pudermos... porque chega o momento em que nos cai em cima.
No entretanto, o silêncio e todos discurso do mundo numa troca de olhos.




quinta-feira, 4 de agosto de 2016









As horas passam sincopadas como badaladas. A superfície das águas desliza e reverbera sobre o mar; o azul debate-se contra o chapão prateado do reflexo do sol. Acompanhando a linha do horizonte uma magra tira cinzenta de névoa protela a vinda do calor. Escrevo em lugar de desenhar. Na escrita, além do sensual avançar da caneta no papel, persigo a palavra certa no cardume das que me ocorrem encobrindo a que procuro.


quinta-feira, 28 de julho de 2016

À beira das férias, interrompi os tratamentos. Recomeçarei a partir dos meados de Setembro. Sempre evitei esta toada prosaica por pensar que essa poalha a levaria o tempo, o que ficaria seria o que dele se libertasse. Mas suponho que esteja enganado, nada fica, nem o rasteiro nem o altaneiro: e, porventura, é o insignificante que mais tarde acende as luzes da memória.
Vou aqui também deixar claro -- sem receio de lamúrias -- que só encontrei pessoas com pouca coragem e sem fé ou sem imaginação para inventarem a sua própria vida.



sexta-feira, 22 de julho de 2016

É assustador o apagão da memória. (Do que acabamos de fazer...): como consolação apenas pensarmos que estávamos tão distraídos pela força da concentração nos nossos pensamentos que esquecemos tudo. Mas parece desculpa de mau pagador, para não encararmos a progressiva incapacidade de usar o piloto automático sem tirar as mãos do volante.
[Já outras memórias não são memórias mas presenças. À medida que avançamos vão-se apagando as luzes...]

segunda-feira, 18 de julho de 2016




"Grande e Estimado R.!

Aqui estou eu a corresponder ao teu feito epistolar. Do Amor, não outras coisas senão bocas se podem mandar, já que tal coisa é coisa que só na febril imaginação toma e se torna corpo. À medida que se alarga o tempo decorrido após a perca da inocência apenas nos podemos maravilhar como nos pareceu tão real quando o vivemos. É assim um fenómeno que vive na memória; no presente é apenas angústia e incerteza: no futuro já há algum tempo que não acreditamos.

Afastando tais fantasmas e indo ao concreto, tropeço logo num esquema estrutural que me apresentas, qual andaime para trepar ao cume da narrativa: sinto-me vítima de vertigens e tenho dificuldade de respirar em tais paragens.

Acredito mais triângulos das bermudas (se acaso a história se passa no Verão), ou no sacrossanto amoroso; mas aí tendo mais, não para as relações biunívocas entre os seus vértices, mas para o binário em que fatalmente haverá alguém excluído. E isto remete-nos para o adultério que, como dizia outro amigo meu, está sempre na génese de uma separação na medida que é o surgimento do terceiro elemento que despoleta o desfecho e o fim da relação. (É claro que o tal adultério pode não passar de uma fantasia). 

Claro que a rotina mata a paixão -- mas ainda está por descobrir o fogo eterno, ou o motor imóvel da sua marcha.
(Dão-se Alvíssaras!)

O filólogo professor [do filme A academia das Musas], diz bem: o amor imaginado é o real. Mas não posso dizer afirmar tal coisa assim desassombradamente, sob o risco de ser um descrente dessa religião, embora continue a acreditar na alquimia sem grandes ilusões, finjo que acredito e chego mesmo a acreditar.
Tudo que é autêntico é real, sobretudo o que imaginamos.

Obrigado pelos Poemas.


[não te apoquentes pelo tempo passado na toca do F.]"

sábado, 16 de julho de 2016

A vida não tem a ver com merecimento; e é fatal: passasse sempre ao lado dela.
Os velhos! (Os surpreendidos pela velhice!). Além de não valer a pena lutar por nada (pois se vem tudo dar na mesma!), torna-se omnipresente o papel da sorte no destino. É de tal forma que chega a ser o mesmo: a sorte, ou o destino.
Ufa!


sexta-feira, 8 de julho de 2016


Quedo-me tão pensativo quanto alguém que percorre com o olhar o fundo aquático temendo que a simples respiração enrugue a superfície e distorça a visão.

A ruína acaba por ser a essência das coisas e a última coisa a partir.



  1. Quem se proponha escrever deve ser indulgente consigo mesmo.
  2. Não procure elogios que pressuponham a exposição do trabalho em curso. Isto não quer dizer que não fale do trabalho; apenas não o divulgue. O desejo crescente de comunicação vai empurrá-lo para a conclusão do trabalho.
  3. Nas suas condições de trabalho, evite qualquer tipo de mediocridade quotidiana.
  4. Evite utilizar materiais escolhidos ao acaso para escrever. Eleja certo tipo de papel, caneta, tinta.
  5. Mantenha o caderno de notas rigorosamente atento ao mínimo pensamento.
  6. Seja circunspecto nas anotações e quanto mais o for mais elas amadurecerão. A palavra conquista o pensamento, mas a escrita domina-o.
  7. Não (nunca) pare de escrever por esgotamento do tema (quando nada mais lhe ocorre).
  8. Preencha as lacunas da inspiração reescrevendo cuidadosamente: a intuição despertará (reacender-se-à) no processo.
  9. Nenhum dia sem uma linha -- mas semanas, sim.
  10. Apenas considere acabado o trabalho quando tenha conseguido passar um dia e uma noite sem pensar nele.
  11. Escreva a conclusão da sua obra fora do local onde habitualmente trabalha.
  12. As etapas da composição:
          ideias - estilo - escrita
          A vantagem de passar a limpo, da reescrita, é que fixa a atenção apenas na forma.
          A ideia mata a inspiração, o estilo sufoca a ideia, a escrita recompõe o estilo.
 
    13. O trabalho é a máscara mortuária da sua concepção.

WALTER BENJAMIN


quinta-feira, 5 de maio de 2016



O milagre da palavra é transformar um rio num lago: (quando encontramos a palavra indicada iluminamos alguma coisa no escuro). Escrever é fácil porque pensar é falar connosco mesmos e como quem diz quem teme a angústia que pensar também comporta, suster o pensamento é o mesmo que suster o fio de água depois que deixa a nascente. O que é difícil é não turvar o pensamento, digo, o seu fio


.



sexta-feira, 15 de abril de 2016



Chove. Chove ininterruptamente. Esta chuva leva-me a uma choupana desaparecida. Uma miserável taberna coberta de colmo. Em frente do Largo da Estação. Nos meus vinte anos? Por aí, bem encravada no passado. Começou a chover e o monge abrigou-se ali. E começou a beber. Os donos do tugúrio queriam fechar a porta, o monge continuava a beber, sucediam-se as embaixadas para o demover a abandonar o local. Era já tarde – noite cerrada – mas como a chuva continuava a cair o monge continuava a beber. Dizia que só parava quando a chuva parasse. Não sei, já não me lembro, como acabou a história. Mas nunca a esqueci e quando chove muito vem-me à memória.

quinta-feira, 24 de março de 2016

terça-feira, 22 de março de 2016





Afinal a história  de todas as vidas é a mesma e o destino é um autocarro que segue imperturbavelmente a sua marcha indiferente a quem atrasado corre desesperadamente para a paragem fora do seu alcance a que nunca chegará a tempo ou a quem desespera por estar há muito ou à demasiado à espera.

sábado, 5 de março de 2016



A solidão matou-o.
Com o seu desaparecimento a minha acentou-se e aquilo que julguei temporário – e por conseguinte, suportável – tornou-se difícil de aguentar. Não a condenação ao silêncio, mas o facto de poder falar e não ter com quem.

Desde cedo os amigos me abandonaram. Algo acima de nós o determinou.












terça-feira, 26 de janeiro de 2016



O mundo tornou-se ininteligível e isso empurrou-nos para o abismo: uma maratona sem fim e um mutismo insuportável. Não ter acreditado em ti foi, e será sempre, a pior das deslealdades.