domingo, 21 de dezembro de 2014

21 de Dezembro de 14, domingo, S. Pedro

(esplanada sobre o mar)

O dia mais pequeno do ano: o último dia do ano.
Praticamente experimentei tudo. E nada me reteve: em nada perseverei. Hoje, aqui, face ao mar majestoso, de ondas de ponta a ponta da enseada, mais de metade dele espuma, aqueço-me ao sol.
Procuro, e não encontro, as palavras que traduzam o que vejo que é o que sinto.
Adivinho a carne das mulheres por baixo da roupa colada à pele. Lisa e roliça, contrastando com as nuvens de gotículas que acompanham, ligeiramente desfasadas, o rolar das ondas. Tudo bate, como bate um coração.
Passa alguém.
Ver, hoje, -como vi-, um bocado do passado, convence-nos que somos (quase) eternos.




Cruzamos o rio cuja torrente, rugindo como um trovão, passava por baixo e rente ao tabuleiro da ponte. No regresso, noite cerrada, dantesca e tumultuosa, acompanhada de chuviscos, com a lua reflectida nos redemoinhos da corrente, depara-mo-nos com a ponte submersa. Atravessamo-la com a água pelo meio da barriga das pernas, agarrados com uma mão ao cabo de aço que unia, bambo, os prumos da guarda que eram os únicos elementos que emergiam da água. Na outra mão, o par de sapatos.
Pensava que era mais uma das recordações da qual já não tinha testemunhas. Ainda não. Por enquanto, não.

Morte certa.  Fintei-a algumas vezes, mas ela é certa.

A uma solidão completa não falta nada.
"Deita-te a meu lado", disse-lhe, " e dá-me a mão".
(Tive a esperança que sonhássemos o mesmo sonho).


terça-feira, 16 de dezembro de 2014


Diz Thomas de Quincey: (…) a mente não tem qualquer possibilidade de esquecer (…), e eu acredito!

As estrelas parecem apagar-se quando nasce o sol mas apenas esperam que caia a noite para voltarem a dominar o céu.



sexta-feira, 12 de dezembro de 2014



Ó, como te iludes! Como pudeste chegar a pensar que é possível voar para lá das cordilheiras erguidas pelos estados civis e pelas idades? Como se nada mais existisse senão nós próprios, e nos alegrássemos com isso, porque apenas nos desejávamos um ao outro. A fome de amor faz vertigens e dá miragens... Reconhecer as ilusões faz-nos acordar, como quando recebemos um balde de água fria,  e ficamos repentinamente lúcidos. Ficamos sempre marcados pela intensidade com que sonhámos. Descrentes também, claro. Mas a olhar em frente. O ressentimento é próprio de quem está de costas para o caminho.

(É nestas coisas que me orgulho do tempo não passar e que me olho com espanto).




terça-feira, 2 de dezembro de 2014


Passam uns putos a correr e uma parte de mim vai com eles.



Quando um livro me encanta é porque é um passaporte.

A propósito do livro que ando a ler: estar velho não é uma forma de estar louco?

Chama-se “Prepara-te para a morte e segue-me”, de May Sarton. Inicia-se quando a personagem ingressa (ou é enviada) para um campo de concentração para velhos. Para um lar de idosos. É, parece-me ser, uma viagem onde se perderam todos os companheiros até ficarmos sós perante nós, como afinal sempre estivemos. E em que, como em qualquer verdadeiro campo de concentração, a única saída é pela chaminé. É a maior das provas de que apenas quando falamos para nós próprios conseguimos dizer alguma coisa aos outros. O resto é ruído ou o grande silêncio.

domingo, 30 de novembro de 2014



O Outono devia ficar preso nos jardins em vez de andar à solta pelas ruas.



Do jantar com os condiscípulos.

“Como se chamava a cerâmica cretense?”.
Levantei-me, levantando o tampo da carteira para me pôr em pé. Não sabia a resposta. Um vozear dos colegas à minha volta. Alguém me assoprou: “Casca de ovo!”. Claro, quase que me apetece dizer que tinha que carimbar a resposta. Exclamei: “Casca de ovo carimbado!”
 (Tinham acabado de aparecer no mercado os ovos carimbados. Devo ter feito um sucesso para a história, que tinha esquecido por completo, me ser devolvida quarenta anos depois).

Ainda outra, que acho melhor por mais intemporal, também na aula de História:
Fui novamente interpelado e, mais uma vez, não sabia a resposta. À minha volta o tumulto habitual. Levantei-me. Mexi os lábios como se estivesse a articular uma resposta, mas sem emitir qualquer som. A professora, perturbada pela vozearia e nada ouvindo, mas sem querer que a dúvida a fizesse parecer fraquejar perante a turma: “Muito bem, pode-se sentar”.

Ser herói não foi tão difícil assim. Ser aquele que todos queriam ter a seu lado quando o bote ameaçasse ir a pique.



Perguntou-me se éramos livres, respondi: “Somos livres de escolher a nossa servidão.”

(Recordo-mo a M.; tinha-o esquecido. E mais me contou da sua vida, prisioneira do que um dia tinha escolhido, e que hoje lamentava).


quinta-feira, 20 de novembro de 2014


Um tipo pode disseminar-se pelas águas do rio ou fazer uma balsa com as suas verdades e navegar na ilusão que o rio é uma coisa e ele outra.


quinta-feira, 25 de setembro de 2014

ir ao fundo... e quase lá ficar





O Verão espalha as suas migalhas pelos primeiros dias de Outono.

Constato agora que, onde quer que tenha estado, estive sempre no sítio mais afastado da saída.




quinta-feira, 18 de setembro de 2014

a viagem de autocarro


A velhota, digo-o com o carinho com que me aplico o mesmo termo, ainda sugeriu que se podia atirar para cima de mim. Depois, reflectiu e disse que já não estava nas melhores condições para isso. Para de seguida acrescentar que estava melhor do que muitas outras que nem sequer se lavavam como ela!


quinta-feira, 28 de agosto de 2014



[Permite-me que te diga, mas dirás - e com toda a razão -, não é nada comigo!... É apenas uma questão que temos com nós mesmos, com o nosso mundo, imaginário, aquele - o único - donde nunca sairemos. ]

O primeiro amor? Inesquecível: Irrepetível e incurável.