quarta-feira, 29 de abril de 2015



Na vida, comporto-me como aquele estremunhado - que sou eu! - que acorda a meio da noite e não sabe se decorreu meia hora ou a noite toda. E a vida é uma noite destas! Uma longa noite: para me ir habituando...



terça-feira, 7 de abril de 2015



A memória! Entrar num veículo e transitar por sítios perdidos nas esquinas do tempo! Ir num torvelinho de clarão em clarão, imagens que ficaram paradas no tempo sempre a fluir! Nesta esquina erguer os olhos para a janela onde espreitam o rosto agora indecifrável do V. e os olhos vazados e as pernas sem fim da irmã, musa e paixão inalcançável de todos nós. Espreitar a longilínea e curva fachada tardoz da fábrica de malhas, testemunha muda da caminhada diária para a escola, muitas vezes pisoteando charcos e cantando à chuva: “Chove, chove, galinha a nove”. (Ali, junto ao início do caminho, onde este desemboca na estrada, recordo o alarido, a morte do miúdo que imagino, pois nunca o vi, esborrachado entre o autocarro e o muro. Tremendo aviso!). Depois, enquadrada pela mercearia com o seu longo balcão onde imperava o facalhão de cobre, guilhotina que caia e rodava preso pela ponta quando cortava as postas de bacalhau, e pelo café com mesas e cadeiras volantes pelo largo passeio onde me recordo de assistir a espectáculos de robertos num palco improvisado com quatro biombos formando um paralelepípedo, ou pela ourivesaria com o respectivo ourives, ela aí está, passada toda esta minha vida, uma, a porta da casa da minha infância. Há aquela varanda onde criei rolas e bichos-da-seda… e mais alta, a janela das amigas, da amiga dos livros e dos sonhos, das horas perdidas onde encontrava o que nunca mais poderia encontrar. Mas há mais neste entrechocar de vertigens: o baldio, jardim das oliveiras, as paliçadas provisórias que julgávamos eternas, tudo, mas tudo, varrido pela abertura de uma nova avenida. No lado oposto, a estátua da menina e do seu cão, ainda lá estará ou também o vento e o tempo a terão levado no vendaval?