segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

























Tenho os meus desastres (uma longa e contínua sucessão deles) mas também tenho o meu toque de Midas: dar vida a tudo quanto toco.









quarta-feira, 11 de dezembro de 2013









(Na esplanada do Jamor)

O tempo começou a virar. Poalhas, farrapos da matéria das nuvens derramam-se pela abóbada azul do céu concentrando-se junto ao horizonte dando-lhe um fundo leitoso. O tempo frio e azul, vai mudar. Sobre o tampo da mesa caem, de tempos a tempos, pequenas folhas secas. Corre uma brisa cortante. Preparo-me para almoçar sozinho enquanto penso no antigo correio que, acidentalmente, duma forma insólita e irrepetível, revi ontem: o passado é tão improvável quanto o futuro... concluo, com nostalgia.






sexta-feira, 6 de dezembro de 2013



Há muito que não faço parte dos sonhos de ninguém. E duvido - se é que posso falar de outros mundos além do meu - que volte a fazê-lo. Também há muito que perdemos a inocência...


Nada nos aproxima tanto como a morte.
É no meu castelo que posso chorar sozinho.
A saudade é um ferro em brasa quando a memória a serve.


Sentir-se acompanhado na solidão é o oposto de sentir-se só quando acompanhado.


quarta-feira, 4 de dezembro de 2013



Certos momentos são como atravessar uma passagem de nível, se o conseguires, a estrada continua do outro lado…

Achei sempre este ano um ano aziago. Não será só pelo treze; está década de sessenta também bateu duramente à flor da pele. Já calculava, pelo que tinha anteriormente visto, que são anos em que a tormenta bate à porta. E há quem não resista! E não são poucos: as pessoas são esmagadas entre as pressões e ataques aos seus pontos fracos vindos do exterior, sob a forma de síncopes ou doenças súbitas, e as consequências da pressão interior que sobe, como numa caldeira, sob a forma de depressões próprias da constatação da decadência e da morte do mundo seu conhecido. Quando não é pior… e a depressão acaba por transformar-se… na tempestade do corpo!
Uma coisa é certa, nada é certo!

mais um passeio de biciclete, daqueles passeios no tempo...

























 






































sexta-feira, 29 de novembro de 2013



Sua Senhoria!
Foi assim que fui criado.
Olho para as mulheres, senhoras, na mesa ao lado e penso: o que faz delas mulheres? E vejo o rimmel, a base, o baton, o penteado, as mãos,os anéis, as meias, os sapatos e retrovejo uma longa aprendizagem  e um muito saber.
Para os meus botões, digo: a serenidade é um gradiente da calma. E sobretudo que a calma é sempre  uma conquista e a base para muita coisa. Entre tantas outras, duas coisas que não devo esquecer…
Acho tanta graça aos velhotes com comportamento de putos… (e ponho-me de lado, à parte…)
Às vezes penso que tudo me preparou para isto, para o que estou a viver…
Isto que afinal não é uma linha recta, nem uma coisa com continuidade … mas, uma coisa que começa a cada instante.





terça-feira, 26 de novembro de 2013

sonhos & pesadelos


o que são e o que significam as palavras, o que são e o que significam hoje, ontem e amanhã quando sonhamos, quando vivemos num sonho? o ontem vai desde o momento que acabou de passar até ao que se passou há um trilião de anos, estica-se, estica-se… até rebentar; o futuro, o futuro está permanentemente a acontecer e não existe fora do acontecimento e o hoje é tão intenso que só existe agora. E vou-me eu preocupar quando a caneta desliza pelo papel como o fósforo pela lixa? Quando a caneta sou eu e a vida uma caixa de fósforos?





terça-feira, 19 de novembro de 2013



Vinda ao hospital. 
O sentimento de estar nas margens de um mundo diferente com o halo dos aeroportos, portos intergalácticos nos universos de ficção (científica). Mas em que o tempo tem outro sentido e o amor e a morte rodopiam entrelaçados. Aqui, o amor tem a marca do desespero. Os afectos e as emoções são soberanos tudo dominando e a razão reduz-se a um feixe luminoso guiado pelo instinto. Tudo vibra, até o desejo. O significado da ternura: encosto a cabeça, a fronte colada à parede fria, e profiro uma exclamação de abissal alívio…




domingo, 17 de novembro de 2013



  […] Jodoigne, 17 de Maio de 1979

Represento o que vivo.
Exemplo:
Vou limpar a casa e imagino-me uma criada.
Vou escrever e imagino-me um escritor, mais do que realmente sou. Alguém que vive e viverá não deixando nunca de escrever, de estar na espuma do tempo. Hoje não sabia se um autor de um livro ainda estava vivo ou se já tinha morrido. Alguém de quem pode apenas constatar-se os efeitos. […]

e ainda:
[…] O maior elogio que posso fazer-lhe é que, a meu lado, me deixa a liberdade de estar só; […]

Maria Gabriela Llansol, NUMEROSAS LINHAS, Livro de Horas III

na banca da cabeceira, à espera:
A Fenda, de Doris Lessing






sexta-feira, 15 de novembro de 2013


























Quero manter-me longe… longe e solitário. Esconder-me bem, à vista de toda a gente. Cruzo-me com uma legião de gente só. A vida contemplativa é outra vida, outra via. Vou ao cinema como quem, em tempos, mergulhava na leitura e se abstraia de tudo. Às vezes penso no sono da mesma forma mas, quer o despertar, quer a recordação dos pesados pesadelos, tornam-no amargo: não há verdadeiro repouso, nem poiso,  nem sequer a benção do esquecimento. As coisas empurram-me para outro lado, para o sonhar acordado. Como se o sonho fosse desse domínio e o restante fosse da responsabilidade do pesadelo. A indiferença e a distância é que podem coar os meus dias.
As pessoas escondem-se de si, nos outros. 



quarta-feira, 13 de novembro de 2013



Dia de S. Martinho!
Mais uma data ligada a tantas memórias, (as do nome não são as menores!), e que não vou comemorar. Como gostaria.
Mas que afinal, e graças à I., acabei por comemorar. Se a isso se pode chamar a beber vinho -- que não água-pé -- e comer castanhas. Mas fiquei assim como com a sensação do dever cumprido: repleto, senão completo.
O São Martinho sempre apareceu, como o raio de sol depois do seu gesto!

                             
                                     * * * * *


Ontem, fui ver O eclipse, de Antonioni. Não é só para as pessoas que envelhecer é uma arte.


                                 * * * * *


Hoje, que manhã magnifica! Raramente o adjectivo teve melhor aplicação: se houvesse um deus, tudo a ele orava.




sábado, 9 de novembro de 2013



MANSÕES FLORENTINAS

[…]
Nos dois grandes volumes ilustrados da sua obra Ville di Firenze (Vallecchi), Giulio Lensi Orlandi Cardini não nos dá apenas um repertório espantoso, mas um verdadeiro e real tratado sobre a mansão  e sobre a arte de construir mansões; e as precisões técnicas do arquitecto, a sua consumada experiência da arte e das suas aplicações nos tempos, estão recheadas de acontecimentos secretos, esotéricos, e combinam-se de modo a que o leitor receba um gosto refinado de impecabilidade técnica e de mistério. É este um dos grandes cânones da arte em geral, seja a de escrever, na qual Giulio Lensi Orlandi é eminente, seja o de construir uma villa. E como a mansão toscava é disso o exemplo mais completo, a sua história e a sua qualidade são mais do que paradigmáticas. Nelas se demostra, uma vez mais, que a beleza tem raízes na necessidade natural e espiritual (sede de frescura estival ou necessidade de se recompor, na contemplação repousada de uma ordem calma e rigorosa, das canseiras da actividade mercantil ou da inteligência política); que o seu preço secreto é a renúncia , "o espírito do conhecimento etrusco, limite e moderação no excesso de todas as vaidades decorativas" (litotes de varandas e portas, segredo de paredes e sebes); que a sua força e elegância é fidelidade às antiquíssimas tradições da arte que passou de homem para homem;  e o seu renovar-se um cada vez mais aprofundamento dessas tradições, no que elas têm de mais arcaico e não na mera forma, que não pode deixar de se tornar pura arqueologia, super-estrutura ou mutilação.
Em todas estas residências, algumas delas já "existentes há dois ou três mil anos atrás", outras "documentam uma existência de sete ou oito séculos", e outras que sofreram todas as metamorfoses mesmo do romantismo arqueológico de uma ou outra cultura (pois estamos sempre em presença de várias culturas), em todas estas residências Lensi Orlandi recupera os elementos puros da domus romana, da oculta habitação etrusca, depois a arcada da Idade Média e do Renascimento até à universal decadência dos séculos XVII E XVIII.
Ele demostra, como todo aquele que conhece profundamente uma arte, que sempre que a mansão toscava recupera esse mundo compacto e leve, severo e gracioso que estava nas suas origens como uma nascente secreta, foi ela própria e foi eterna ("a arquitectura de Brunelleschi: uma arquitectura latina traduzida para o vulgar, mas num vulgar que tem a pureza de um cristal"); e quanto mais se serviu de intromissões momentâneas mais literária foi, datada e caduca.
Por isso, ao lermos este livro brilhante, encontramos em filigrana a história verdadeira de uma lenda, a situação precisa, em termos de arte arquitectónica, dos verdes paraísos onde uma cidade conseguiu (e consegue ainda, de forma prodigiosa) defender a sua incomparável arte de viver. Os nomes, frescos como jorros de água e ilustres das antigas leituras, fazem-nos estremecer: Fontallerta, a Fonte dos Três Rostos, o Palácio dos Peixes; mais belos, por vezes, que a própria mansão, mudada, reconstruída. Nomes que, como a madeleine da chávena encantada de Proust, ainda nós libertam no tempo o nome puro da Europa e a memória de uma relação entre os homens, os proprietários da mansão, os vizinhos da mansão, os vivos e os mortos que viveram na mesma mansão, que só naquela paisagem, e nalguns momentos fragilíssimos e perenes, foi possível e abençoada pelo céu.


-- Cristina Campo, SOB UM FALSO NOME, Assírio & Alvim

sexta-feira, 8 de novembro de 2013



Recusando encarar a monstruosa realidade que vivemos vamos permitindo-lhe -- conduzidos pela louca esperança de que assim nos salvaremos -- que nos roube a alma, depois o corpo, e finalmente a vida. É sempre um caminho de pequenos e inexoráveis passos, de contínuos encontrões que nos levam recuando até à beira do precipício. Depois é só um estalido, mais um pequeno empurrão para o abismo. E acabou! Que história tão antiga…




quinta-feira, 31 de outubro de 2013


Porque é que a lucidez é um refrigério? Porque é um pano húmido nas frontes a arder de febre! Indo em tropel às reviravoltas sentimos de súbito, graças a ela, o chão novamente debaixo dos pés. Mas é um remédio amargo… um antídoto para o veneno do sonho!




















terça-feira, 29 de outubro de 2013

domingo, 27 de outubro de 2013





Demonologia: 
Proporcionei-me uma vida muito rica, sempre cheio de ilusões que podia ter companhia. Apenas cedi quando parei para contemplar os outros. Os melhores imobilizaram-se como estátuas à beira da estrada, na fracção de segundo que antecedeu o raio que os fulminou. Pulverizados, os meus mortos, são verdadeiramente os meus cúmplices e companheiros. Na vida, ou andamos ou anda o caminho. 
Nos melhores momentos andamos os dois.





sábado, 26 de outubro de 2013



Sinto-me deslocado. Só o silêncio me não agride e me deixa expandir como o odor de um frasco destapado.
Fui ontem ao jantar dos colegas do liceu. Partilhámos uma vida, porventura a oficial, quando éramos adolescentes. Que faço eu ali? Num jantar de homens de sucesso!? Onde está a multidão -a que pertenço - e que se perdeu pelo caminho? O tempo é vasto como o mar, mas como o mar vermelho, quando estabiliza o estofo da maré, também se abre. Também nele há um antes e um depois. Parece-me que o que os divide se chama "revolução". Pela minha parte, irmanado, só com os desirmanados. Quanto à memória, só a memória sem testemunhas.
As pessoas julgam que a terra se resume ao sítio onde põem os pés!
















sexta-feira, 18 de outubro de 2013



A velhice é uma coisa tramada! Insidiosa e difícil de manter à distância…
Não é só o murro no estômago que recebemos cada fez com mais frequência ao sabermos que não mais voltaremos a rever uma cara. Tudo se torna mais difícil: aprender um novo passo de dança, aprender uma nova forma… de dobrar meias ou lençóis com elástico. Antes aprender era tão fácil… ou, pelo menos, crer que se sabia…
Ontem, quando digo ontem digo em qualquer outro momento que não este, vieram assentar-se ao meu lado três jovens. Ia nos bancos de quatro lugares, de pares frente a frente, que existem em qualquer carruagem. Fiquei submerso em profundos pensamentos… eram tão jovens! …nunca a beleza me pareceu mais frágil! Nem tão  efêmera! Não suspeitavam de nada… mas estavam precisamente naquele momento em que a vida se divide em duas: a segunda parte, que estava prestes a iniciar-se, será o que for (os erros fatais só serão conhecidos tarde de mais) e também uma longa rememoração …
Pensar pode ser também aquele momento em que o tempo se suspende e a memória e a beleza permanecem.


























segunda-feira, 14 de outubro de 2013

que terríveis são os vinte anos



Tenho vindo a ler as "Cartas de Aniversário" de Ted Hughes…. ainda ontem, quanto gostei de certos versos!… Hoje, descobri que nasceu no mesmo dia que eu, "apenas" vinte anos mais cedo! 
Ontem, sexta-feira, no almoço com o meu velho Heitor, a conversa e as coincidências próprias de adolescências comuns conduziram-me a recordações de uma certa hora e local, onde e quando se abriu no meu peito uma ferida que o tempo não sara e que - como um gigantesco carrossel entrevisto através das lágrimas - me acompanhará até ao fim… (não sabia que depois de tanto tempo ainda era tão dolorosa a vinda á superfície da memória sufocada!).
De uma forma indecifrável todas estas coisas estão ligadas...




























quarta-feira, 9 de outubro de 2013



Antônio Franco Alexandre, numa entrevista á revista Apeadeiro (citado por Rosa Maria Martelo).


"Sou inteiramente clássico ao pensar que o amor, os amores (sem plural tudo isto fica idiota), são por definição ascese e criação. É odiosa a palavra "sacrifício", e a coisa, mas só ela aproxima a "contracção expansiva" de si mesmo que torna os amores, não pedidos de conforto ou segurança, mas generosidade. […] Que do outro lado se ouça um pedido, uma exigência, não uma oferta (mas como poderia ser oferta sem nada pedir? só na Web…), é aterrador. Isso é bem pior que qualquer "rejeição", a estupidez pática: que rapidamente nos transforma em imagem, e descartáveis."