quinta-feira, 31 de outubro de 2013


Porque é que a lucidez é um refrigério? Porque é um pano húmido nas frontes a arder de febre! Indo em tropel às reviravoltas sentimos de súbito, graças a ela, o chão novamente debaixo dos pés. Mas é um remédio amargo… um antídoto para o veneno do sonho!




















terça-feira, 29 de outubro de 2013

domingo, 27 de outubro de 2013





Demonologia: 
Proporcionei-me uma vida muito rica, sempre cheio de ilusões que podia ter companhia. Apenas cedi quando parei para contemplar os outros. Os melhores imobilizaram-se como estátuas à beira da estrada, na fracção de segundo que antecedeu o raio que os fulminou. Pulverizados, os meus mortos, são verdadeiramente os meus cúmplices e companheiros. Na vida, ou andamos ou anda o caminho. 
Nos melhores momentos andamos os dois.





sábado, 26 de outubro de 2013



Sinto-me deslocado. Só o silêncio me não agride e me deixa expandir como o odor de um frasco destapado.
Fui ontem ao jantar dos colegas do liceu. Partilhámos uma vida, porventura a oficial, quando éramos adolescentes. Que faço eu ali? Num jantar de homens de sucesso!? Onde está a multidão -a que pertenço - e que se perdeu pelo caminho? O tempo é vasto como o mar, mas como o mar vermelho, quando estabiliza o estofo da maré, também se abre. Também nele há um antes e um depois. Parece-me que o que os divide se chama "revolução". Pela minha parte, irmanado, só com os desirmanados. Quanto à memória, só a memória sem testemunhas.
As pessoas julgam que a terra se resume ao sítio onde põem os pés!
















sexta-feira, 18 de outubro de 2013



A velhice é uma coisa tramada! Insidiosa e difícil de manter à distância…
Não é só o murro no estômago que recebemos cada fez com mais frequência ao sabermos que não mais voltaremos a rever uma cara. Tudo se torna mais difícil: aprender um novo passo de dança, aprender uma nova forma… de dobrar meias ou lençóis com elástico. Antes aprender era tão fácil… ou, pelo menos, crer que se sabia…
Ontem, quando digo ontem digo em qualquer outro momento que não este, vieram assentar-se ao meu lado três jovens. Ia nos bancos de quatro lugares, de pares frente a frente, que existem em qualquer carruagem. Fiquei submerso em profundos pensamentos… eram tão jovens! …nunca a beleza me pareceu mais frágil! Nem tão  efêmera! Não suspeitavam de nada… mas estavam precisamente naquele momento em que a vida se divide em duas: a segunda parte, que estava prestes a iniciar-se, será o que for (os erros fatais só serão conhecidos tarde de mais) e também uma longa rememoração …
Pensar pode ser também aquele momento em que o tempo se suspende e a memória e a beleza permanecem.


























segunda-feira, 14 de outubro de 2013

que terríveis são os vinte anos



Tenho vindo a ler as "Cartas de Aniversário" de Ted Hughes…. ainda ontem, quanto gostei de certos versos!… Hoje, descobri que nasceu no mesmo dia que eu, "apenas" vinte anos mais cedo! 
Ontem, sexta-feira, no almoço com o meu velho Heitor, a conversa e as coincidências próprias de adolescências comuns conduziram-me a recordações de uma certa hora e local, onde e quando se abriu no meu peito uma ferida que o tempo não sara e que - como um gigantesco carrossel entrevisto através das lágrimas - me acompanhará até ao fim… (não sabia que depois de tanto tempo ainda era tão dolorosa a vinda á superfície da memória sufocada!).
De uma forma indecifrável todas estas coisas estão ligadas...




























quarta-feira, 9 de outubro de 2013



Antônio Franco Alexandre, numa entrevista á revista Apeadeiro (citado por Rosa Maria Martelo).


"Sou inteiramente clássico ao pensar que o amor, os amores (sem plural tudo isto fica idiota), são por definição ascese e criação. É odiosa a palavra "sacrifício", e a coisa, mas só ela aproxima a "contracção expansiva" de si mesmo que torna os amores, não pedidos de conforto ou segurança, mas generosidade. […] Que do outro lado se ouça um pedido, uma exigência, não uma oferta (mas como poderia ser oferta sem nada pedir? só na Web…), é aterrador. Isso é bem pior que qualquer "rejeição", a estupidez pática: que rapidamente nos transforma em imagem, e descartáveis."