domingo, 30 de setembro de 2012

[passeio, ao fim do dia, a Paço d'Arcos]









A maior lucidez anda paredes-meias com a mais absurda das cegueiras!
Será porque é no escuro que brilha a luz ou, como ecoava Ana Hatherly, porque perante a luz somos todos cegos? Isto é, a luz cega?

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Uma palavra pode mudar o mundo.
Essa palavra nunca será dita e a magia do mundo ficará sempre retida num mundo sem palavras.

sábado, 22 de setembro de 2012


Foto de Lewis Hine

A decoração é uma insídia.
Começa por ser de coração.
É possível encontrar alguém que tudo dê
sem nada exigir? É
Alguém para quem dar é receber
e que só exige que recebas.
Podes voltear...
É possível dares tudo
sem nada exigir? É
Basta alguém que receba
tudo o que tens para dar.
Mas é tarde
e as luzes começam a acender-se...

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O fim do amor é uma prova como a do herói debaixo de fogo.
Porquê é que o amor tem de ser dor, corcel enlouquecido?
Porque o nosso desejo de apaziguamento pressupõe o tumulto?

A sintonia com o outro parece-me que transcende
tão largamente o acordo connosco
que excede o espectro:
três são demais para dançar o tango.
E se multiplicarmos isto por dois, é uma multidão...

Continuo a suar baixinho...

terça-feira, 18 de setembro de 2012

"Aquilo que é importante, parece-me, não é tanto defender a cultura, cuja existência nunca impediu um homem de passar fome, mas sim o extrair daquilo que se chama cultura, ideias cuja força motivadora seja idêntica à da fome"
Antonin Artaud


sábado, 8 de setembro de 2012


uma semana em Lagos


Pesam-me os olhares.

Um vento anti-criação sopra nesta esplanada.
Mas, curiosamente, o amor sopra nas vozes roucas, na transparência dos vestidos, nas coxas rotundas, nos pés nus…

Perto do paraíso, com a sombra do inferno a morder-me os pés…

Se se procura um amor correspondido é estúpido insistir quando repetidamente nos deparamos com a recusa da outra parte. Há as lérias todas da conquista, mas se rememoramos verificamos que, quando aconteceu, foi como o fogo e a estopa. E conquistar a imagem que fizemos é aprofundar uma dolorosa ilusão. A paixão, assim entendida, é uma doença do espírito que só se evita quando apenas avançamos quando o outro encurta a distância. Nas escolhas que fazemos também nos reconhecemos. Resta sempre a questão de escolhermos ou sermos escolhidos. E aceitar como natural que não coincidam.

Viver em pânico é uma questão em que a imaginação nos comanda em vez de sermos nós a dirigi-la. Imaginação á solta, criando a dúvida em nós mesmos e na vida. O pior pode sempre acontecer, mas porque há de sempre acontecer? Sempre é uma palavra intermitente.
Pânico provém de Pan, que sendo tudo comportará o bom e o mau… então porquê só recolher este último? Pan é plenitude que equilibra tudo com o seu contrário e na vertigem pode-se não perder a cabeça, manter a cabeça fria no meio do vulcão. Recordar que o pior tem sempre solução. Basta pensar que quem não está agarrado a nada, nada tem a perder.
Cavalgamos o caos quando tudo à nossa volta muda de cara. E no entanto há qualquer coisa de inebriante no desatar das certezas, que é o desatar dos nós: o jorro raivoso até o permanente fluir que engole tudo o que volta.
Debaixo desta calma, o mar e a terra estão revoltos. Mas o céu contempla-nos.
A maré está indecisa entre o subir e o vazar.
Pan é o trilar das flautas, o bosque, o bode e as musas…

Olhar para os velhos e para as crianças e pensar: as crianças de agora serão velhos e os velhos foram crianças. Que velhos serão estas crianças? E que crianças foram estes velhos? A única vantagem dos velhos é que já sabem que a viagem não se interrompeu a meio (mas também há aqueles de idade indefinida, nem velhos, nem novos, são outra coisa, não necessariamente agradável). Mas as crianças têm o tempo do seu lado. E na sua entrega ao mundosão infinitamente mais livres. Enquanto os velhos estão marcados pelas cicatrizes dos acontecimentos e prisioneiros do mundo, feito de muros, que construíram. E sabem que na vida não há retorno, ainda que gostassem de voltar a ser jovens mais ainda do que estes gostam de crescer. O que os motivo nesse percurso é a memória induzida pelo desespero enquanto que aos jovens o que os move é a curiosidade e a ansiedade da espera. Os velhos suportam a recordação das tentativas falhadas e a consciência que as oportunidades são limitadas. Os jovens vivem embriagados pelo ilimitado já que não acreditam verdadeiramente na morte.

A maré também tem marés.
O ribombar da onda que desaba sobre a praia prolonga-se e propaga-se ao longo da linha de rebentação até se perder na distância…
Pausa. O refluxo… e eis que o trovão retorna. Indefinidamente.

A ferida inscreveu-se no meu interior como a faca cravada na tábua que uma mão desconhecida abana até à racha crescer ao longo dos veios. Ainda que à superfície tudo parece bem, não voltarei a ser o mesmo.

O que sei intensifica o que imagino.

As fotos que não tiramos face aos quadros que retemos, as frases que não escrevemos mas que pensamos, não se perdem, escorrem como o leite e o mel para o rio subterrâneo que alimenta o pensamento.

O esforço que fazemos para ignorar quem nos ouve, sabendo que ninguém nos ouve! Alguém na cabeça de quem escreve é um escolho na torrente do pensamento. De resto, as nosas palavras servirão apenas de vasos ou moldes onde outros vazarão as suas palavras, as únicas que verdadeiramente são capazes de ouvir.

Recordo aquele amigo que já se foi e que longos anos após ter ficado só punha sempre esmeradamente a mesa com dois pratos e respectivos talheres antes de se sentar para jantar.

Sem referências não se sai do mesmo lugar.
Saio de cena sem perceber nada do que se passa no palco. Julgava que na história se encaixavam os papéis de todos os actores mas afinal cada um representa a sua própria peça (e acredita que é a mesma para todos!).