quinta-feira, 20 de dezembro de 2012



Para fotografar gosto de imaginar-me completamente só ou inteiramente invisível.
Se tens asas, para que é que queres ter pernas? 
















MNAC, João Onofre (n'en finit plus)


POEMAS ZEN


As palavras não fazem o homem compreender,

é preciso fazer-se homem para entender as palavras.

*

Há tantos anos vive o pássaro na gaiola
que pode hoje voar por entre as nuvens.

*

No fundo das montanhas está guardado um tesouro
Para aquele que nunca o procurar.



Herberto Hélder,  Idem

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012


Falemos de casas, do sagaz exercício de um poder
tão firme e silencioso como só houve
no tempo mais antigo.
Estes são os arquitectos, aqueles que vão morrer,
sorrindo com ironia e doçura no fundo
de um alto segredo que os restitui à lama,
de doces mãos irreprimíveis.
-- Sobre os meses, sonhando nas ultimas chuvas,
as casas encontram seu doce jeito de durar contra
a boca subtil, rodeada em cima pela treva das palavras.

Digamos que descobrimos amoras, a corrente oculta
do gosto, o entusiasmo do mundo.
Descobrimos corpos de gente que se protege e sorve, e o silêncio
admirável das fontes --
pensamentos nas pedras de alguma coisa celeste
como fogo exemplar.
Digamos que dormimos nas casas, e vemos as musas
um pouco inclinadas para nós como estreitas e erguidas flores
tenebrosas, e temos memória,
e absorvente melancolia,
e atenção às portas sobre a extinção dos dias altos.

[....]

Falemos de casas como quem fala da sua alma,
entre um incêndio,
junto ao modelo das searas,
na aprendizagem da paciência de vê-las erguer
e morrer com um pouco, um pouco
                                                     de beleza.



Herberto Helder, poesia toda 1



O que é a verdade? Só está fixada no passado e é plural! No presente, está pronta a abalar em todas as direcções... e no futuro, é uma mera hipótese. Quão quimérica é a paz de espírito que nos trará!...

terça-feira, 18 de dezembro de 2012


Remontar a torrente.
Como conhecer uma cidade? Arranjar uma planta, subir ao ponto mais alto, escolher o melhor restaurante (Camillo Sitte). Uma receita que usei muitas vezes. O melhor restaurante? É o único item questionável, tanto podia ser a tasca com melhor vinho como a esplanada com melhor vista. As zonas onde a vida mais palpitava ou onde, pelo contrário, está adormecida atrás das ruas e becos desertos e onde um cão ou um gato perdido é o único sinal de vida e que nos recorda que ela continua para lá de uma vidraça ou da cortina que flambea e ondula nas horas solitárias.
As cidades são como as pessoas, todos os encontros serão marcados pelo primeiro. 
Faço horas até subir ao apartamento que passa na avenida.

A luz já não dá para tirar fotos. Das pessoas apenas recolho as imagens. Algumas contam-me a sua história: olho-as demoradamente como quem lê todas as linhas do seu rosto. A maioria são fantasmas, incorpóreas, que se cruzam e atravessam como quem atravessa paredes, sem deixar rastro. Risos, recortes de conversas à margem ou outros, como eu, que apenas vêem desfilar os transeuntes. Quantos não têm o sem destino como destino? Seria tudo mais simples se parassem e apenas abanassem os pés suspensos dos muros onde estão sentados. Escurece.

domingo, 16 de dezembro de 2012


Cansaço.
Por vezes julgamos que é a memória a vitória sobre a morte e não o amor, mas a verdade é que também é necessário saber esquecer para podermos continuar a viver.
..................................
Claro que procurar esquecer é uma forma perversa de perpetuar a memória; o esquecimento só se obtém pela sobreposição da vida à memória.

Eu quero lá saber.... hoje é domingo, cinzento de cortar à faca, mas terno, de nuvens baixas que arrastam o seu manto de nevoeiro sobre a paisagem salpicada de gotículas de quase chuva. E os sons avivam-se na medida em que a vista se turva. Cansaço bom. Calmo. E os pássaros piam enquanto passa um veleiro sem velas.

O pensar e o sentir são como o jogo do rato e do gato. 

Todos os dias sei de novas mortes, e enquanto pensava nisto repicou o sino como que sublinhando-o.

Escrever está-se a tornar compulsivo.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012



Quem deseja verdadeiramente alcança o que quer, o difícil é não ter dúvidas sobre o que deseja.

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Procuro em todas as (tuas) palavras o verso.

Sei que os sonhos não existem fora de mim e, imagino, de ti. (Imagino: já estou a sonhar, a sonhar que também sonhas). Mas não me convenço!
Seria tão mais fácil a vida se deixasse de sonhar... só quem não tem fé consegue acreditar. A adivinhação e a quimera são tormentos, mas as aspirações dizem muito sobre quem somos e sonha-se com o que se sentiu num tempo que há-de vir. 
O material do sonho -- que é sempre além -- são os arquivos abismais do que se sentiu ou pensou nas regiões onde as duas coisas se confundem. Inclino-me a pensar que o sonho é uma desordem que ganha sentido no que somos e desejamos, se o formos capazes de interpretar.  Reconhece-mo-nos nos nossos sonhos é ter as malas prontas para seguir viagem na vida. Nunca partimos definitivamente, estamos sempre de partida. Assim o sonho coincide com a vida, nunca é definitivo, e como a fénix renasce a cada instante. Não podemos prescindir dele, tal como a serpente da sua pele, que deixa sucessivamente pelo caminho. Se se encontrassem, o sonho e a realidade destruir-se-iam mutuamente: a realidade seria um sonho e o sonho, a realidade. 

E tudo isto porque disseste que seria atroz termos a ousadia de viver o sonho.




segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012


Só somando água à água se pode empurrá-la...
Assim são os meus dias quando me ponho a pensar e a escrever. O pudor que tenho que vencer para evitar a literatura! Que alegria quando consigo pôr o pé na outra margem!

Ontem, numa diatribe contra o romantismo, dizia-me o Fernando Pessoa no seu Livro do Desassossego que a arte tem regras de criação, senão é apenas expressão de sentimentos; pois será, mas então essas regras são já uma obra de arte. 























Onde me sentirei em casa?

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012



A complexidade da vida...
Para compreender a vida é preciso ter um despojamento de quem está pronto para deixá-la. As pessoas vivem em mundos tão diferentes que é difícil imaginá-las no mesmo universo. Quão longe ou quão alto temos que estar para os abarcar!
Hoje tive essa vertigem e a amargura subiu-me pela alma como a água enche um tanque; apeteceu-me nadar para longe. Só a ternura pode flanquear as portas e as muralhas entre as pessoas e nunca teremos tempo, nem ocasião, de compreender esses muros. Compreender certas coisas quase equivale a desfazer-nos de nós próprios...


terça-feira, 4 de dezembro de 2012


Tudo é tão precário, tão pouco fiável no mundo que eu quero estar de acordo com o que nele é imutável, e em mim, como seu eco.
Quem procura clarificações, como não ser claro?
Estou sempre à espera do acabou-se para seguir em frente, já que as ilusões me fazem perder tempo, me tolhem os pés, me fazem tropeçar a cada passo. O que não é para seguir que pare!
Construir ruínas à minha volta não é coisa porque anseie, acho mais límpido o deserto. E mais luminoso...
Com a mesma coragem com que te lanças, apara os golpes com que te recebem.


domingo, 2 de dezembro de 2012



Factos reais não é uma expressão que nos deva espantar. O mundo está cheio de memórias que nunca aconteceram. Acontecer é uma coisa que tem a força da evidência da queda da chuva ou do secar ao sol das suas gotas. É nessa ordem que me inscrevo, e comigo, tudo quanto tenho às costas. A imaginação é muito poderosa, (que o digam os que morrem em  delirium tremens, os que viajam no ácido ou os que convivem serenamente com as suas alucinações…) e exige uma mão firme. Quando é que nos sentaremos lado a lado? Num silêncio com mais páginas do que um livro… Com quem mais gostava de falar, gostaria de estar em silêncio… Só aqui estou, e estamos, uma vez. (E ninguém, para si mesmo, pensa nisto!). O que é mais espantoso é o que não notamos por ser e se confundir com a paisagem do dia-a-dia. E saber, como Arquimedes, que com um ponto de aplicação se pode mover o mundo! Que raiva! Que fúria! …e que desconsolo! Não se poder eliminar o se! Porque poder, podia, mas o mundo em que se pode é apenas o mundo não dividido, no limite, não compartilhado. E aqui está resumido todo o drama!
Sinto-me sempre na primeira vez e não me canso, porque é sempre diferente: a coragem é a palavra chave da vida.



Só quem nos aceita integralmente nos pode amar.
(Paguei mais um preço por voltar ao passado). E se um amor apaga outro, abre uma nova ferida a saldar.


sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Estados de Espírito




[...] É no Castelo que está traçada a preocupação de Kafka pelo grande espaço da presença, presença como tirania, como vocação de vampiro que há no ser humano. A torre do castelo, que se divisa de longe, é o símbolo da presença, e desde longe ela irrita e faz com que a alma humana se encabreie como uma cavalo espavorido. O castelo é a sede duma imensa administração, em que a hierarquia reina até ao infinito. Destina-se a caçar a originalidade humana, a fazê-la depender da sua ordem prodigiosa. O único meio para lhe escapar é o de fazer-se pequeno, como um insecto; pequeno e repugnante e fácil de remover da face da terra.
[...]

Agustina Bessa-Luís, Kafkiana (2012)




"(...) É uma prisão-hospital, o pior desses dois mundos. E para a trindade da essência do mal estar completa, seria apenas necessário transformá-la num convento: fui internado na antiga ala de psiquiatria. A minha cela é uma sala de espera. Foi premonitória a leitura do Diário de Etty Hillesum. Quando circundei o muro alto do estabelecimento prisional, antes de entrar, pareceu-me ouvir o rilhar de limas contra o ferro das grades: terei que limpar o terreno, criar uma terra de ninguém, um muro de silêncio entre mim e os outros. Gritar não me servirá de nada: os outros estão demasiado longe e falam outras línguas, só perderei as forças. Procurarei ler e escrever, para escapar como fumo entre as grades. O papel e o lápis, podem ser o pão e a água que me manterá vivo. O inferno, para ser completo, fica sempre ao lado do paraíso. Eis o tempo da reclusão, enquanto o mundo se dana nas conflagrações finais e nos últimos estertores. Que Deus me faça pagar por tudo agora e que me liberte na caminhada final."

R.M.G., Páginas soltas do caderno de um condenado

quinta-feira, 22 de novembro de 2012


Tudo se passa à nossa volta, é só preciso estar atento.




Assim, tão suavemente como a areia na ampulheta, se escoou a manhã... e ao sol do meio-dia de inverno pensei no que sempre soube, -- como sempre --, que neste mundo há coisas do outro mundo e que eu sempre lá tive um pé. Somos muitos e vários, e hoje ouvi que alguém tinha dito que se não o aceitássemos deixávamos de ser uma pessoa para passar a ser uma personagem. Eu resumo-me a mim, tenho o meu eu predilecto. E é esse: o que acredita no outro mundo e se sente aí no seu. As palavras, como a areia, escapam-se-nos entre os dedos, e têm pelo menos dois sentidos, que nos levam ao inferno e ao paraíso. Como se fizéssemos vinte anos outra vez.



terça-feira, 20 de novembro de 2012


Cheguei ao cais na tarde em que todos os barcos tinham já partido.
(Isto quer dizer que é preciso uma certa distância para o pincel varrer a tela, que reflectir é contemplar. Agir esperando sempre o milagre  é próprio dos loucos e dos desesperados, e por mais romântica que seja a ideia, só vejo uma maneira de ultrapassar essa ilusão: é sermos nós o taumaturgo).


segunda-feira, 19 de novembro de 2012



Café.
Sempre que o amor acaba o mundo fica mais escuro. E se ele acaba como sair desta escuridão?
Sempre quer dizer que ele não existe?

Um dia hei-de dizer mais detalhadamente o que sinto. Hei-de ter tempo.



A minha cabeça é o quadro negro onde escrevo a giz: és o que fazes.


Madrugada.
O degelo começou e a torrente arrasta tudo no seu caminho. Uma onda de desespero assola o mundo e faz com que o amor irrompa, como se juntam as mãos para rezar. Há muitas razões para perder a cabeça e outras tantas para procurar a calma do silêncio e a paz na solidão.
Vaga contra vaga: tal é o equilíbrio de forças.
Talvez através da porta da tristeza se chegue ao campo de flores da alegria...
Agora sim, posso dormir.
(Ah!... como gostaria de não me esquecer de respirar...)

domingo, 18 de novembro de 2012


Onde andará a minha alegria e o meu bloco de desenho?
O bloco é muito menos amigável do que o caderno. O bloco é só nosso, o caderno é um sem-vergonha....
Em cada esquina um ouvinte.

Imerso nos seus pensamentos, que imagem tão navegável.

As regras são indispensáveis. Mas o melhor delas é quebrá-las.



O mosto antes de se transformar em vinho tem que fermentar.
Pedras escorregadias no rio que atravessamos a vau.



sábado, 17 de novembro de 2012



A Salvação pela Desordem
Juan Benet escreveu quatro peças de Teatro. “Agonia Irreversível”, escrita em 1966 e publicada em 1969 em Espanha, dá à palavra à...

(Gostei muito)




É a viver que se aprende a viver.

O meu pai dizia-me muitas vezes que me tinha que desenvencilhar. Tomava-o como uma forma diferente de desembaraçar, mas era mais do que isso, vencilho é uma atilho, corda ou baraço de origem vegetal utilizado para atar molhos. O termo designa um desamarrar, um libertar de um amontoado de elementos aprisionados.

Com a visão recuperam-se muitas coisas que apenas pressentíamos.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012


Ainda Proust:

"(...) Nenhum lugar está tão marcado pela presença da minha mãe, e mais ainda pela sua ausência, de tal modo ficou impregnado por ela. A ausência, para quem ama, não será a mais certa, a mais eficaz, a mais viva, a mais indestrutível e fiel das presenças? (...)

in A confissão de uma jovem



A grande arte é pensar com as cores, os sons, os signos, os traços e mais o que houver à mão.

Sinto-me um jovem encerrado num corpo de um velho. Exagero. Ou de um ser sem idade que habita um local que envelhece num mundo que se renova incessantemente.

Não é só ter coragem, é preciso não desistir.

Pensar que se envelhecesse por dentro como se envelhecesse por fora? Que grande ilusão...


O único símbolo de superioridade que conheço é a bondade.

Beethoven
Uma ausência pode saturar o nosso presente mas acaba por depositar-se no nosso fundo e assim passar a fazer parte de nós.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Só se ama o que se procura. O que se procura é o que se não tem. E nunca se perde o que se não tem. Logo, só se perde o que não se ama. Tudo isto é verdade, se o amor for uma procura. Eu não sei nada, muito menos do amor. Mas pressinto que ele é um encontro, não uma procura.
És o meu pão de cada dia!