AO ENTARDECER, FICO A VER
Ao entardecer, fico a ver
os barcos a desaparecer
e a noite a avançar.
Há uma calma solene no ar
como que a dizer-nos
que o dia está a morrer.
Como nós, também.
Mas já que estamos
em pleno milagre,
talvez amanhã
ressuscitemos com ele.
Agora, um pouco depois,
acima da linha do horizonte
uma poalha rosa estendeu-se
de uma ponta à outra.
O verde escuro de algumas copas
Intensificou-se;
apareceram as primeiras luzes
como alfinetes perfurando
a magnífica tela do cenário.
O silêncio ganha ecos,
o coração do mundo bate.
Os pássaros apressam-se
a regressar aos ninhos.
Tudo anuncia a lua cheia
Que detrás daquele morro
aparecerá para depois
se banhar majestosa
no mar que tenho pela frente.
Já se me torna difícil
ver o papel onde escrevo.
Tudo se funde.
O rosa foi-se; agora
é só omnipresente o azul acizentado,
os castanhos e os verdes reunidos,
enquanto um fantasma iluminado
cruza o mar feito lago á minha frente
e todos avançamos em direcção à noite,
à noite e à morte.
A lua cheia reapareceu
e vai subindo no que de
visível ainda sobra do céu.
Onde ela brilha
tudo se apaga
E assim se fecha
o caderno e o entardecer.
Sex, 29 Set 23