quinta-feira, 21 de dezembro de 2023

AO ENTARDECER, FICO A VER



Ao entardecer, fico a ver

os barcos a desaparecer

e a noite a avançar.

Há uma calma solene no ar

como que a dizer-nos 

que o dia está a morrer.

Como nós, também.

Mas já que estamos

em pleno milagre,

talvez amanhã 

ressuscitemos com ele.


Agora, um pouco depois,

acima da linha do horizonte

uma poalha rosa estendeu-se

de uma ponta à outra.

O verde escuro de algumas copas

Intensificou-se; 

apareceram as primeiras luzes

como alfinetes perfurando

a magnífica tela do cenário.


O silêncio ganha ecos,

o coração do mundo bate.

Os pássaros apressam-se 

a regressar aos ninhos.

Tudo anuncia a lua cheia

Que detrás daquele morro 

aparecerá para depois

se banhar majestosa

no mar que tenho pela frente.


Já se me torna difícil

ver o papel onde escrevo.

Tudo se funde.


O rosa foi-se; agora

é só omnipresente o azul acizentado,

os castanhos e os verdes reunidos,

enquanto um fantasma iluminado

cruza o mar feito lago á minha frente

e todos avançamos em direcção à noite,

à noite e à morte.


A lua cheia reapareceu

e vai subindo no que de

visível ainda sobra do céu.


Onde ela brilha

tudo se apaga

E assim se fecha

o caderno e o entardecer.


Sex, 29 Set 23