sexta-feira, 29 de novembro de 2013



Sua Senhoria!
Foi assim que fui criado.
Olho para as mulheres, senhoras, na mesa ao lado e penso: o que faz delas mulheres? E vejo o rimmel, a base, o baton, o penteado, as mãos,os anéis, as meias, os sapatos e retrovejo uma longa aprendizagem  e um muito saber.
Para os meus botões, digo: a serenidade é um gradiente da calma. E sobretudo que a calma é sempre  uma conquista e a base para muita coisa. Entre tantas outras, duas coisas que não devo esquecer…
Acho tanta graça aos velhotes com comportamento de putos… (e ponho-me de lado, à parte…)
Às vezes penso que tudo me preparou para isto, para o que estou a viver…
Isto que afinal não é uma linha recta, nem uma coisa com continuidade … mas, uma coisa que começa a cada instante.





terça-feira, 26 de novembro de 2013

sonhos & pesadelos


o que são e o que significam as palavras, o que são e o que significam hoje, ontem e amanhã quando sonhamos, quando vivemos num sonho? o ontem vai desde o momento que acabou de passar até ao que se passou há um trilião de anos, estica-se, estica-se… até rebentar; o futuro, o futuro está permanentemente a acontecer e não existe fora do acontecimento e o hoje é tão intenso que só existe agora. E vou-me eu preocupar quando a caneta desliza pelo papel como o fósforo pela lixa? Quando a caneta sou eu e a vida uma caixa de fósforos?





terça-feira, 19 de novembro de 2013



Vinda ao hospital. 
O sentimento de estar nas margens de um mundo diferente com o halo dos aeroportos, portos intergalácticos nos universos de ficção (científica). Mas em que o tempo tem outro sentido e o amor e a morte rodopiam entrelaçados. Aqui, o amor tem a marca do desespero. Os afectos e as emoções são soberanos tudo dominando e a razão reduz-se a um feixe luminoso guiado pelo instinto. Tudo vibra, até o desejo. O significado da ternura: encosto a cabeça, a fronte colada à parede fria, e profiro uma exclamação de abissal alívio…




domingo, 17 de novembro de 2013



  […] Jodoigne, 17 de Maio de 1979

Represento o que vivo.
Exemplo:
Vou limpar a casa e imagino-me uma criada.
Vou escrever e imagino-me um escritor, mais do que realmente sou. Alguém que vive e viverá não deixando nunca de escrever, de estar na espuma do tempo. Hoje não sabia se um autor de um livro ainda estava vivo ou se já tinha morrido. Alguém de quem pode apenas constatar-se os efeitos. […]

e ainda:
[…] O maior elogio que posso fazer-lhe é que, a meu lado, me deixa a liberdade de estar só; […]

Maria Gabriela Llansol, NUMEROSAS LINHAS, Livro de Horas III

na banca da cabeceira, à espera:
A Fenda, de Doris Lessing






sexta-feira, 15 de novembro de 2013


























Quero manter-me longe… longe e solitário. Esconder-me bem, à vista de toda a gente. Cruzo-me com uma legião de gente só. A vida contemplativa é outra vida, outra via. Vou ao cinema como quem, em tempos, mergulhava na leitura e se abstraia de tudo. Às vezes penso no sono da mesma forma mas, quer o despertar, quer a recordação dos pesados pesadelos, tornam-no amargo: não há verdadeiro repouso, nem poiso,  nem sequer a benção do esquecimento. As coisas empurram-me para outro lado, para o sonhar acordado. Como se o sonho fosse desse domínio e o restante fosse da responsabilidade do pesadelo. A indiferença e a distância é que podem coar os meus dias.
As pessoas escondem-se de si, nos outros. 



quarta-feira, 13 de novembro de 2013



Dia de S. Martinho!
Mais uma data ligada a tantas memórias, (as do nome não são as menores!), e que não vou comemorar. Como gostaria.
Mas que afinal, e graças à I., acabei por comemorar. Se a isso se pode chamar a beber vinho -- que não água-pé -- e comer castanhas. Mas fiquei assim como com a sensação do dever cumprido: repleto, senão completo.
O São Martinho sempre apareceu, como o raio de sol depois do seu gesto!

                             
                                     * * * * *


Ontem, fui ver O eclipse, de Antonioni. Não é só para as pessoas que envelhecer é uma arte.


                                 * * * * *


Hoje, que manhã magnifica! Raramente o adjectivo teve melhor aplicação: se houvesse um deus, tudo a ele orava.




sábado, 9 de novembro de 2013



MANSÕES FLORENTINAS

[…]
Nos dois grandes volumes ilustrados da sua obra Ville di Firenze (Vallecchi), Giulio Lensi Orlandi Cardini não nos dá apenas um repertório espantoso, mas um verdadeiro e real tratado sobre a mansão  e sobre a arte de construir mansões; e as precisões técnicas do arquitecto, a sua consumada experiência da arte e das suas aplicações nos tempos, estão recheadas de acontecimentos secretos, esotéricos, e combinam-se de modo a que o leitor receba um gosto refinado de impecabilidade técnica e de mistério. É este um dos grandes cânones da arte em geral, seja a de escrever, na qual Giulio Lensi Orlandi é eminente, seja o de construir uma villa. E como a mansão toscava é disso o exemplo mais completo, a sua história e a sua qualidade são mais do que paradigmáticas. Nelas se demostra, uma vez mais, que a beleza tem raízes na necessidade natural e espiritual (sede de frescura estival ou necessidade de se recompor, na contemplação repousada de uma ordem calma e rigorosa, das canseiras da actividade mercantil ou da inteligência política); que o seu preço secreto é a renúncia , "o espírito do conhecimento etrusco, limite e moderação no excesso de todas as vaidades decorativas" (litotes de varandas e portas, segredo de paredes e sebes); que a sua força e elegância é fidelidade às antiquíssimas tradições da arte que passou de homem para homem;  e o seu renovar-se um cada vez mais aprofundamento dessas tradições, no que elas têm de mais arcaico e não na mera forma, que não pode deixar de se tornar pura arqueologia, super-estrutura ou mutilação.
Em todas estas residências, algumas delas já "existentes há dois ou três mil anos atrás", outras "documentam uma existência de sete ou oito séculos", e outras que sofreram todas as metamorfoses mesmo do romantismo arqueológico de uma ou outra cultura (pois estamos sempre em presença de várias culturas), em todas estas residências Lensi Orlandi recupera os elementos puros da domus romana, da oculta habitação etrusca, depois a arcada da Idade Média e do Renascimento até à universal decadência dos séculos XVII E XVIII.
Ele demostra, como todo aquele que conhece profundamente uma arte, que sempre que a mansão toscava recupera esse mundo compacto e leve, severo e gracioso que estava nas suas origens como uma nascente secreta, foi ela própria e foi eterna ("a arquitectura de Brunelleschi: uma arquitectura latina traduzida para o vulgar, mas num vulgar que tem a pureza de um cristal"); e quanto mais se serviu de intromissões momentâneas mais literária foi, datada e caduca.
Por isso, ao lermos este livro brilhante, encontramos em filigrana a história verdadeira de uma lenda, a situação precisa, em termos de arte arquitectónica, dos verdes paraísos onde uma cidade conseguiu (e consegue ainda, de forma prodigiosa) defender a sua incomparável arte de viver. Os nomes, frescos como jorros de água e ilustres das antigas leituras, fazem-nos estremecer: Fontallerta, a Fonte dos Três Rostos, o Palácio dos Peixes; mais belos, por vezes, que a própria mansão, mudada, reconstruída. Nomes que, como a madeleine da chávena encantada de Proust, ainda nós libertam no tempo o nome puro da Europa e a memória de uma relação entre os homens, os proprietários da mansão, os vizinhos da mansão, os vivos e os mortos que viveram na mesma mansão, que só naquela paisagem, e nalguns momentos fragilíssimos e perenes, foi possível e abençoada pelo céu.


-- Cristina Campo, SOB UM FALSO NOME, Assírio & Alvim

sexta-feira, 8 de novembro de 2013



Recusando encarar a monstruosa realidade que vivemos vamos permitindo-lhe -- conduzidos pela louca esperança de que assim nos salvaremos -- que nos roube a alma, depois o corpo, e finalmente a vida. É sempre um caminho de pequenos e inexoráveis passos, de contínuos encontrões que nos levam recuando até à beira do precipício. Depois é só um estalido, mais um pequeno empurrão para o abismo. E acabou! Que história tão antiga…