quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

É com a morte que a vida se mede.
Quanto ao amor, ele é
a ilusão que é mais real
do que a realidade.

(16 de Dezembro de 2011)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

 elevador


Entrei no elevador vazio,
estava escrito na parede:
"Proibido a crianças, 
não acompanhadas de adultos"
E pensei:
"E os adultos 
que levam dentro de si
as crianças?"
Mais:
"Serão crianças os que sabem
o significado
de 'Proibido"?
O meu olhar percorre a linha do contorno da sua perna.
Sinto um arrepio.

sexta-feira, 8 de Março de 2013

 O tempo é elástico, muscular... quanto mais o usamos, mais se dilata... Ao ponto de podermos pensar que ele nada é, nem tem existência, a não ser a de um contentor de factos, de actos, de estados de espírito, de aquilo que fazemos... o passado nem sequer chega a ser tempo, é simples memória: um casarão no nosso cérebro, cujos corredores percorremos nas noites de insónia... o presente é um açude... e o futuro só é quando deixa de ser...

Evita o sonho.
O sonho que te sonhe.
Que te toque.
Que te acorde.


O sonho é renda espiritual que reveste o desejo. Quem conhece os sonhos identifica os desejos. Por isso, de certo modo, são bem concretos, mais duros do que uma parede, com a dureza dos muros de uma prisão. O sonho, quando ao serviço do desejo, deixa de ser uma ama para ser um carcereiro. Assim, deve-se evitar-lo, ou lançar-nos-à para o mais fundo da masmorra. Procure-se-o no exterior, entregue-mo-nos à realidade mesmo que na sua ausência ela nos pareça parca e pobre. Ela também não pode passar sem ele. E ele acabará por surgir nem que seja sob o manto de uma subtil serenidade, sob a forma de passos em estado de levitação. Não amordaçará a nossa voz mas fluirá nela. O sonho quando não se alicerça na realidade não é sonho, é pesadelo.

segunda-feira, 8 de Abril de 2013



Acordava e corria a abrir as persianas
A música de câmara realizava com o pipilar dos pássaros.

A admiração é a base de toda a relação.
O Assombro é outra coisa: acrescenta um mundo ao mundo.

A máxima liberdade coincide com a máxima solidão.
O imperativo da voz do rebanho instala e cala a revolta. 
Até ela estalar.

O desprendimento liberta; como que põe a flutuar
o iceberg solto do glaciar.

Aceita o inevitável;
poupa as forças para o que podes evitar.
Apoia-te no que faças.

terça-feira, 9 de Abril de 2013
 Meti os pés nos velhos sapatos
e voltei a pagar o preço
de uma adolescência intermitente 
e incontinente
todos os dias hei-de morrer 
um pouco

A inteligência é o lado luminoso do desespero!

Senta-te aqui, meu amor,
Senta-te ao meu lado...

Porquê é que os sentimentos 
andarão tão longe das ideias?
E estas terem que ser
do barco quilha ou leme?

Eu sinto a emoção de certas ideias
como o abanar do ramo quando
poisa a ave.

quarta-feira, 10 de Abril de 2013
Na infância até as horas solitárias não se passam sozinho:
as viagens na leitura, a seriedade nas brincadeiras,
as escalas no jogo dos acidentes dos caminhos...
Tudo com uma grande concentração.

O silêncio leva-nos muito longe:
sempre fui pelos caminhos menos percorridos,
(nunca tive companhia, apenas me cruzei 
com outros que também estavam perdidos),
e como é que as coisas me conduziram até aqui?
Tanto sonho, tão pouca realidade...

segunda-feira, 15 de abril de 2013


Enquanto não caía a noite
entrei no teu mundo
como uma criança 
a brincar aos índios
nas pradarias da minha infância...
A casa abandonada 
com as portas a ranger
estava deserta
cheia de penumbras e perfumes.
Cá fora:
nuvens de borboletas
frascos de gafanhotos
girinos esperneando
nos regatos que corriam
entre os dedos das minhas mãos,
o próprio céu!

Tu eras o livro
que escrevia
por ter desesperado
de encontrar a biblioteca...
As paredes sussurravam
enquanto se roçavam por mim.

O calor e a morte abraçavam-se
por detrás da cortina ondulante.

Ainda não era a hora de partir.

7 de Maio de 2013


Primeiro,
Foi a longa luta perdida
De recusar as horas

Depois, e ainda agora
A agonia ou a graça
de esquece-las

Primeiro, 
Foi a graça
Depois,
a tragédia de a perder

E agora,
Sabemos o que custa
Enterrar os vivos
E ainda mais,
Ressuscitá-los

Domingo, 26 de Maio de 2013
Cravo cada dia no dorso da semana e subo
Quando chego ao alto da colina despejo o balde 
Para no vale da segunda-feira seguinte
Sem me afogar o voltar a encher

A corda soltou-se da roldana
A luz vem do alto com estrondo
Antes que o alçapão se feche
Enclausurando-me com os meus demónios
Tenho que sair do poço

São sempre frios os dias de cinzas
O desencontro alargou-se à terra inteira
A luz já não aquece 
Ouço os meus passos no meio da seara
Que ondula e arrefece 

Domingo, 26 de Maio de 2013


 Há muito que o mundo se desfigura.

Tudo começou, -- era já um anúncio
do que aí viria, e da proporção climática
dos acontecimentos futuros -- ,
com a invasão dos escaravelhos,
que destruíram a sintética da paisagem 
e os palmares que ficaram para sempre 
soterrados nos jardins da minha memória.

Antes, já tinha vindo a troca da moeda
mas isso foram trocos,
depois o atentado à língua,
tiraram letras às palavras, 
desfiguraram-nas como acontece às caras
quando se vaza um olho,
ou se enriquecem os seus acidentes
com uma cicatriz.

Hoje, o mundo inteiro é uma colónia
de um colonizador sem rosto.
E não me venham dizer
que é necessário alguma coisa morrer
para tudo continuar a viver.

Assistimos à destruição da beleza no mundo
mais rapidamente que à sua construção.


terça-feira, 23 de Novembro de 2021

O tempo é um vendaval inexorável

(tudo arranca tudo leva consigo).


Caem as folhas das árvores,

amarelas, secas e retorcidas,

ao contrário das bátegas

que sincopadamente caem do céu.


O Verão foi-se, finou-se.

Recomeça o infindável

ciclo das estações,

a única imutável

enquanto tudo se transmuta

(Afinal como nós próprios).


O céu escurece como se as nuvens

fossem uma cortina que alguém correu.

No jardim molhado, tudo brilha.





quarta-feira, 3 de novembro de 2021