sexta-feira, 2 de março de 2018

A mesa balança: a calçada será sempre incerta.
Trouxe todo o arsenal: canetas e lápis, o cadernito de croquis que morrerá virgem, o livro leve e tão bom que sorvo a pequenos goles para fazer durar. A terra não tem um café de jeito; muito menos um café confortável nestes dias de inverno e que fique ao pé da padaria onde fui comprar o pão que me serviu de pretexto para sair de casa.
Trouxe tudo e não levo nada.


sábado, 3 de fevereiro de 2018

Durante muito temo pensei que não era nada comigo. Que só aos outros acontecia.
Depois, os espelhos e os olhares, que no fundo são o mesmo, se encarregaram cruelmente de me abrir os olhos.
Tenho momentos de revolta. Em que acredito que tais pensamentos são ilusões produto de um desânimo momentâneo, de uma má época, de angústias que me perseguem...
Isto também é verdade. As coisas podem ser uma coisa e o seu contrário e alternarem-se tão subtilmente que chegam por instantes a sobrepor-se e a coexistir.
Com avanços e recuos continuo contente, com a sensação que redescobri a caneta.


quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Desvendado finalmente o mistério do envelhecimento!
Envelhecemos desamparados, afinal de contas não é nenhum estádio, mas não deixamos de ser quem somos.
(É perturbante aceitar que possam coincidir a criança e o idoso, mas este é o verdadeiro mistério. É de tal forma perturbador que se deve guardar segredo do acontecimento). 
Ainda que tudo à nossa volta pareça brilhar e reverdecer ao contrário da nossa pele que se recobre de manchas e de pregas enquanto os cabelos esvoaçam e são levados pelo vento, os ossos rangem e as dores nos assolam...  
Sempre testemunhas de nós... e do mundo. 
Por vezes temos mesmo a sensação que o mundo está a morrer e por vezes há uma parte dele que morre mesmo, e quando isso acontece uma parte de nós acabou também.
Vemos a vida a esvair-se como o sangue a correr de pulsos abertos. 
Não há nada a fazer: teremos sempre a memória dos tempos em que a morte não existia e em que entre nós e o mundo não havia a mínima fissura.