quarta-feira, 31 de outubro de 2012



O silêncio é o umbral do nosso lugar no mundo.
Do nosso lugar, e do lugar dos outros.
  
A unidade de medida do silêncio é o seu peso.


O silêncio e o resto


O silêncio pode ser uma barreira entre nós e os outros e, escrever, uma alternativa ao falar. Até porque as palavras alimentam o grande equívoco. Os momentos em que penso com a caneta na mão, são-me tanto mais necessários quanto não vejo melhor forma de me harmonizar com o mundo. É compulsiva a necessidade de me expressar, como se jorrar para o mundo fosse a única forma de me circunscrever. De ganhar forma. Como se, se não falasse, não escrevesse, não desenhasse, não fotografasse, equivalesse a rebentar. E sempre, sempre na orla de mim próprio, estivesse o mito do eco das flautas que reproduzem ao longe o coro que espalha que o príncipe tem orelhas de burro.
Derramar-se no mundo e nele perder-se é o destino de quem não se contém nas linhas que tece. Não abdicarei dos meus sonhos, ainda que me levem à embriaguez e a loucura. Sei bem que é a imaginação, esplendorosa e em quem não se pode confiar, que lhe fornece o material com que são feitos. Mas também sei que em certas horas, nos locais certos, o que se pode sonhar se pode viver. Apenas, por precaução, se devem talhar os sonhos na realidade. E aí é que está a arte!


terça-feira, 30 de outubro de 2012



Le Silence N'est Pas Un Oubli. 
É... e não é. Condensa e absorve todo o ruído que nos é exterior e permite-nos mergulhar no que queremos viver até nos fundirmos nele. Essa concentração e recolhimento comportam o desprendimento de muita coisa, muita coisa que nos é estranha... ou que faz parte de nós e não necessita de estar presente e iluminada na consciência.

O verdadeiro esquecimento é uma reescrita.




domingo, 28 de outubro de 2012


Sábado, 22 de  Março [de 1941], à noite às 8 horas.



Tenho de esforçar-me por manter o contacto com este caderno, isto é, comigo mesma, senão as coisas vão mal; a cada momento continuo ainda em perigo de me desorientar e me perder, é o que sinto um pouco neste momento, mas pode ser também devido ao cansaço.



Etty  Hillesum, DIÁRIO, 1941-1943

quarta-feira, 24 de outubro de 2012




De certas fotografias dir-se-ia que a beleza não está nelas, mas no olhar que nelas está.





Silêncio: estar calado até ao ponto de estranhar a própria voz.

O silêncio é uma coisa tão pessoal que dele só para nós mesmos podemos falar.
Silêncio e solidão: dois sons e um acordo. Dois acordes para o mundo.


SILÊNCIO

Íntimo das escuridões e dos toucadores
já tocado pela Voz
pelos sons interiores
da angústia dos passos
nocturnos e secos
selos da noite
selos comemorativos da morte
dos espelhos adolescentes


inocentes
que passamos os dias a preparar uma Cerimónia
de velas acesas
poemas já cegos
já sentidos
portanto penetro no Deserto decidido
e rogo aos céus
e às dunas à minha volta
Silêncio já !

SILÊNCIO SENTIDO !

Só o Silêncio faz sentido !
Só o Silêncio soa desmedido !
Como um eclipse antiquíssimo !

E a chuva cai no Silêncio da Terra
por muros e colunas sem fim !


 









do livro Juramentos, edições do interior, 1998


NAVEGADOR SOLITÁRIO

À partida
precisava também de um cronómetro
um instrumento de precisão
depois atravessei tranquilamente a baía
com brisa fraca
cortei como uma lâmina o rio primeiro
depois o mar
a passagem é tão bela.



Escolhi esta saída
esta paixão de resistência
e de audácia
a minha personalidade foi sendo revelada
à medida que os dias passavam
deslizei na água
claro, eu não era um marinheiro experimentado
era um solitário
procurando relatos
e o meu barco não é
um conjunto de madeiras pregos
quanto muito cordame
e velas fanáticas de ventos
de Mediterrâneos
de Longas Datas.

Para começar retomei os hábitos antigos
envolvi-me por uma bruma espessa
debruçei-me no passadiço
rumei como um paquete
profusamente iluminado na água.

Quando a situação se torna muito perigosa
recolho estas linhas à pressa !


do livro Cadernos do Interior, edições "O Pregão", Castelo de Vide, 1988



2 poemas do meu amigo Vasco

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

MANUEL ANTÓNIO PINA 
As Noites do Silêncio
Les Nuits du Silence
Outubro > Novembro 2012

Numa fascinante variação do episódio homérico, Kafka, imagina que «as sereias possuem uma arma ainda mais terrível que o canto, o silêncio. Podemos conceber, [...] que alguém tenha escapado aos seus cânticos, mas seguramente jamais ao silêncio». Liberto por Beckett, redefinido por John Cage, se o Silêncio se declina na pluralidade dos silêncios habitados das palavras caladas, esperadas ou não pronunciadas, também é singular, num poema murmurado ou numa frase musical cantada. O Silêncio marca o compasso de um passeio, ritma um encontro inesperado. Resta que só impondo silêncio ao que reduz ao silêncio a nossa existência, é que nasce o verbo essencial. Improvável e fugaz, passagem obrigatória da testemunha antes de se levantar e elevar a voz partilhando-a, o Silêncio luta para se fazer ouvir par além do deserto, para não morrer no ruído e na fúria do universo psicótico e vibra até à invenção do gesto [Maria de Morais, 2012].

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

quarta-feira, 3 de outubro de 2012



Não te mexas.

O futuro é perder o equilíbrio,
cair até bater no fundo
de uma insónia hora a hora
interrompida para respirar
à superfície da luz.

Não te mexas, ainda.

Não hesites, não assustes o sonho
pousado em teia sobre ti,
não agites as águas.
E talvez a vida se deixe
ficar à margem
com os seus dias armados de pedras.

MENINA CALÇANDO A MEIA
[Estufa-Fria, 1966]
Inês Dias
A matéria dos sonhos e dos pesadelos é surrealista. Isto quer dizer, como dizia o meu amigo J., que o surrealismo não é uma categoria artística, mas que faz parte da essência da arte. E que o sonho e o pesadelo são os temas artísticos por excelência.

Esta noite, tive uma noite cuja sombra se projectou sobre o dia. 
Depois de um primeiro sono, breve e pesado como o chumbo, acordei sobressaltado de um enorme pesadelo. Uma angústia de rebentar o peito. Acordei por falta de ar. Acordei... escapei...
Pausa para fazer da noite dia, durante algum tempo. Deitei-me outra vez, vencido. E acordei novamente em pânico, embora mais comedido, já que no primeiro cheguei a sentir os meus próprios ossos a amolecerem, a derreterem-se, a desintegrar-se... Para quem viveu uma grande angústia, uma pequena angústia pode ser um lenitivo. Talvez por esse caminho chegasse a poder sonhar...

Não há salvação, há salvações.



(Max Ernst e Leonora Carrington)

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

[a impunidade de falar para as paredes...]


Sou mesmo um tonto! Mandam uma bola para o ar e eu penso logo que é para mim...

Ler uma palavra aqui e outra ali e pensar que a frase tem sentido - e que o percebemos - é próprio das almas ansiosas do que querem ouvir.
A comunicação, e chamar comunicação a este conjunto de sub e mal-entendidos é já um exagero, é sempre esquiva e incerta. É mais um jogo de criptografias, com chaves trocadas. Em minha defesa apenas posso alegar a minha inocência. Mas este alibi apenas cobre os actos e não as suas consequências. Depois da seta disparada só o paradoxo de Zenão a pode travar antes de atingir o alvo: e Zenão só existia para quem acreditava nele...
Paciência. A sinceridade não desculpa tudo, de certa forma ainda carrega mais as tintas.
Está tudo dito, já posso ter a paz do silêncio.