terça-feira, 30 de abril de 2013



Largem-me da mão! Na minha cabeça estão e estarão os meus e os teus dezassete, vinte anos! Que me importa se é assunto só meu? Creio que tu também pensas nisso, mas só nas horas solitárias, na penumbra da noite assombrada, quando estás a salvo dos outros, só perante ti… (estamos de mãos e pés atados, a voz amordaçada…). Eu, que não reconheço outras horas, penso nisso agora e recordo as madrugadas em que o sonho não conhecia a fronteira da vigília. Não me venham dizer que as horas são todas iguais! Não me canso de dizer que troco anos por certos instantes. Isto subverte todas as idades da vida. Até à porta se fechar, por mais portas que também tenha que fechar.
Ouço uma melodia que ecoa na minha cabeça e me acompanhará o resto da tarde.




Quem anda no campo sabe que não há melhor instrumento do que as mãos…
Passa por mim um melro de bico amarelo.




quarta-feira, 24 de abril de 2013










Os becos sem saída
não são becos sem saída
são só bilhetes de ida e volta,
o verdadeiro caminho
é sempre em frente.

Já vi passar tantas visões…
O primeiro impulso é fixá-las,
o segundo, mais sábio,
é ir com elas.

(Estou a pensar numa gaivota branca 
do tamanho de um paquete, 
no mar plano e azul, 
que me entrou ainda à pouco pela janela).










terça-feira, 23 de abril de 2013




Ninguém é mais leve do que o que se libertou da esperança,
nem tem maiores asas para abraçar a realidade.
Nem garras mais fortes, e o olhar mais frio,
para agarrar o objecto da sua atenção.
(Ganhar assim olhos para ver
as linhas da vida que os deuses traçam nos céus)
Em todas as ruas da minha cidade há bancos,
e apoios, onde se pode escrever de pé.
Haverá tempo para o berro que rompa os cristais,
haverá tempo para os pecados capitais.




domingo, 21 de abril de 2013



Chegam-me mais depressa os estados do que as palavras para os definir. As palavras tropeçam umas nas outras. São recordações que retiro da salmoura ou de entre as bolas de naftalina. E o que vem atrás delas!




É muito importante não nos esquecermos de nós próprios. [Como conceber o ciúme de nós mesmos? A incredibilidade, a revolta,  a indignação perante o que já fomos e já não somos. (Passa  uma mãe com a filha admirada)].

A violência da erupção da Primavera que não faça esquecer o Verão que ainda está por vir. Ainda não se recobriram de folhas todas as árvores.

Querer saber tudo implica não saber nada de nada. Nunca se abarcará a imensidão da floresta se se for incapaz  de reter cada árvore. Conceber a vastidão do universo é um sonho de loucos, estúpido, porque pulveriza a capacidade de qualquer saber. (Montaigne)

Atém-te aos limites, ainda que sabendo que há mais ­­____ para além deles. Com a tendência para te dissolveres no que te rodeia, e te evaporares, manda assim a prudência.

Depois de muita errância conheceremos o nosso território quando, cansados, nos sentamos no topo da colina e deixarmos o olhar circundar as planícies envolventes.




“É proibido amar quando não somos amados”.
Mas o que é amar? É apenas desejar ser amado?


Ainda está a beber?, 
pergunta ela. 
Como quem diz: 
ainda está a escrever? 
(É adorável – mas não peçamos demais, 
o impossível).


sábado, 20 de abril de 2013




Todos temos uma oportunidade na vida. E uma só. Carregamos depois a memória do que podia ter sido. E o livro tem sempre uma página nova. O livro somos nós e quem o desfolha é o vento da vida.

Quem escolhe o caminho mais difícil é porque não tem outro remédio: é a única forma de continuar.


sexta-feira, 19 de abril de 2013









A primeira prioridade da memória é para com ela mesma: quem somos, de quê e de quem gostamos.








Passo a vida a encontrar promontórios, pontos de vista, transitórios, mas indispensáveis para continuar a respirar: aspirar e inspirar a fundo.













Sê o teu herói!
Só nos apaixonamos com um imaginário, o resto é desejo. Mantém-no acesso, mantém-no ao rubro -- mesmo sabendo que é a fonte de todo o sofrimento.








terça-feira, 16 de abril de 2013




A sombra do hades cresce sobre a terra.
O que importa não é se chove sobre o molhado, o que importa é que a terra se mantenha húmida…

Uma das vantagens da solidão – e não das menores – é que há menos distracções.

Ousar é um bom verbo.

Sobreviver rouba-me tempo e espaço para viver.


sexta-feira, 12 de abril de 2013


A primavera já é irreversível

Para o viajante, todas as esquinas são um mundo novo.
Viajantes, eis o que somos.
Um não, é uma barreira, é uma fronteira: um muro ante nós ou perante os outros.
O sim tem o som do sino: festa ou linha de partida; à chegada é a apoteose.

Pensar o ontem ou o amanhã é tão malsão, incongruente, insólito como mudar a data do dia em que estamos.


quarta-feira, 10 de abril de 2013


Cada frase é uma estaca que cravo no dorso convexo da minha ausência. Onde retorno, muito mais tarde, para contemplar os meus rostos.






Meti os pés nos velhos sapatos
e voltei a pagar o preço de
uma adolescência intermitente
Incontinente
todos os dias hei-de morrer
um pouco

A inteligência é o lado luminoso do desespero.

Senta aqui, meu amor
Senta-te ao meu lado...
Porquê é que os sentimentos
terão que andar longe das ideias?
Do barco ser quilha ou leme?
Eu sinto a emoção de certas ideias
como o abanar do ramo quando
poisa a ave.


terça-feira, 9 de abril de 2013




Acordava e corria a abrir as persianas.
A música de câmara rivalizava e estimulava o pipilar dos pássaros.

A admiração é a base de toda a relação.
O Assombro é outra coisa: acrescenta um mundo ao mundo.

A máxima liberdade coincide com a máxima solidão.
O imperativo da voz do rebanho instala e cala a revolta. Até ela estalar.
O desprendimento liberta; como que põe a flutuar o iceberg solto do glaciar.
Aceita o inevitável; poupa as forças para o que podes evitar.
Apoia-te no que faças.



sexta-feira, 5 de abril de 2013


O que existe de miraculoso no projecto é que ele suspende o tempo: nele coexistem o passado com as visões da memória, o presente móvel e a construção do futuro. Tudo isto me veio à consciência, e as palavras à boca, enquanto contemplava e imaginava a erecção  da escadaria que conduzia ao átrio exterior da igreja que se abria para o largo.
Passou alguém que me apetecia pegar ao colo. Como uma árvore revestida das primeiras folhas, verdes e tenras, contra um pano de fundo de árvores nuas.



quarta-feira, 3 de abril de 2013

Castelo de Duíno, perto de Nabresina,



litoral austríaco,
1 de Março de 1912



[...] Agora, nas minhas leituras, pareço alguém que se põe a comer, com gosto, mas à medida que aparece o fundo do prato, começa a ter medo de achar a sua louça tão grosseira e tão estragada, que soçobra na inquietação.
Noutros tempos, cheguei, por vezes, a interrogar-me por que motivo os santos queriam tanto infligir a si próprios tormentos corporais; só agora compreendo que esse gosto do sofrimento até ao martírio era uma manifestação da urgência, da impaciência de não voltarem a ser interrompido, nem incomodados, inclusivamente pelo que lhes poderia acontecer de pior.[…]

[…] Admiro, admiro esse séc. XIV que foi sempre, a meus olhos, o mais espantoso de todos, e o exacto oposto do nosso: tudo o que é interior permanece interior e aí se desenlaça, sem real necessidade, quase sem esperança de encontrar fora equivalências em estado e em graus diversos […] Um sentimento não procurava, de modo algum, desdobrar-se numa qualquer interioridade; mal tinha despontado, tomava a primeira forma que aparecesse e passava também ele a sobrecarregar este mundo, pleno das únicas coisas visíveis que a Grande Morte de 1348, ébria de tanta vida e não conseguindo controlar-se, procurava ferir. […]

[…] Se esta situação se mantiver, precisarei de começar a aprender latim: por que é que eu não estudei quando era novo, quando se deve principiar pela fabricação da sua colher, mais grave ainda, por aprender como é que se fabricam, a sopa tem muito tempo para arrefecer. Esta é a minha situação. Que hei-de fazer?




terça-feira, 2 de abril de 2013



Como admiro quem vive imerso na poesia e a transporta para onde quer que vá!

Definir pode ser matar quando não tem em conta o que está para além dos limites.

Quem não se encontra a si mesmo dificilmente encontra os outros.





segunda-feira, 1 de abril de 2013






Como seria a minha cidade se porventura se tivesse realizado?

Os pensamentos atravessam-me a mente sem se depositar no papel, como no céu correm as nuvens que deixam um rasto de pingos que não chegam a ser aguaceiros.

Nunca aceites o que te é oferecido mas que não escolheste. Lembra-te quão decisiva é a escolha, quer no amor quer na vida.
Ninguém, mais do que eu, conviveu pior com a escolha. Entre dois caminhos quis sempre um terceiro ou então os dois ao mesmo tempo.
Já que chegaste aqui contra todos e contra ti, prescindindo de apoios, escusas agora de empurrões.

O fim do promontório não é o fim da linha. É o fim de uma etapa.