quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

Primeiro,
Foi a longa luta perdida
De recusar as horas

Depois, e ainda agora
A agonia ou a graça
de esquece-las

Primeiro, 
Foi a graça
Depois,
a tragédia de a perder

E agora,
Sabemos o que custa
Enterrar os vivos
E ainda mais,
Ressuscitá-los

Domingo, 26 de Maio de 2013
Cravo cada dia no dorso da semana e subo
Quando chego ao alto da colina despejo o balde 
Para no vale da segunda-feira seguinte
Sem me afogar o voltar a encher

A corda soltou-se da roldana
A luz vem do alto com estrondo
Antes que o alçapão se feche
Enclausurando-me com os meus demónios
Tenho que sair do poço

São sempre frios os dias de cinzas
O desencontro alargou-se à terra inteira
A luz já não aquece 
Ouço os meus passos no meio da seara
Que ondula e arrefece 

Domingo, 26 de Maio de 2013


 Há muito que o mundo se desfigura.

Tudo começou, -- era já um anúncio
do que aí viria, e da proporção climática
dos acontecimentos futuros -- ,
com a invasão dos escaravelhos,
que destruíram a sintética da paisagem 
e os palmares que ficaram para sempre 
soterrados nos jardins da minha memória.

Antes, já tinha vindo a troca da moeda
mas isso foram trocos,
depois o atentado à língua,
tiraram letras às palavras, 
desfiguraram-nas como acontece às caras
quando se vaza um olho,
ou se enriquecem os seus acidentes
com uma cicatriz.

Hoje, o mundo inteiro é uma colónia
de um colonizador sem rosto.
E não me venham dizer
que é necessário alguma coisa morrer
para tudo continuar a viver.

Assistimos à destruição da beleza no mundo
mais rapidamente que à sua construção.


terça-feira, 23 de Novembro de 2021

O tempo é um vendaval inexorável

(tudo arranca tudo leva consigo).


Caem as folhas das árvores,

amarelas, secas e retorcidas,

ao contrário das bátegas

que sincopadamente caem do céu.


O Verão foi-se, finou-se.

Recomeça o infindável

ciclo das estações,

a única imutável

enquanto tudo se transmuta

(Afinal como nós próprios).


O céu escurece como se as nuvens

fossem uma cortina que alguém correu.

No jardim molhado, tudo brilha.





quarta-feira, 3 de novembro de 2021


sexta-feira, 2 de março de 2018

A mesa balança: a calçada será sempre incerta.
Trouxe todo o arsenal: canetas e lápis, o cadernito de croquis que morrerá virgem, o livro leve e tão bom que sorvo a pequenos goles para fazer durar. A terra não tem um café de jeito; muito menos um café confortável nestes dias de inverno e que fique ao pé da padaria onde fui comprar o pão que me serviu de pretexto para sair de casa.
Trouxe tudo e não levo nada.


sábado, 3 de fevereiro de 2018

Durante muito temo pensei que não era nada comigo. Que só aos outros acontecia.
Depois, os espelhos e os olhares, que no fundo são o mesmo, se encarregaram cruelmente de me abrir os olhos.
Tenho momentos de revolta. Em que acredito que tais pensamentos são ilusões produto de um desânimo momentâneo, de uma má época, de angústias que me perseguem...
Isto também é verdade. As coisas podem ser uma coisa e o seu contrário e alternarem-se tão subtilmente que chegam por instantes a sobrepor-se e a coexistir.
Com avanços e recuos continuo contente, com a sensação que redescobri a caneta.


quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Desvendado finalmente o mistério do envelhecimento!
Envelhecemos desamparados, afinal de contas não é nenhum estádio, mas não deixamos de ser quem somos.
(É perturbante aceitar que possam coincidir a criança e o idoso, mas este é o verdadeiro mistério. É de tal forma perturbador que se deve guardar segredo do acontecimento). 
Ainda que tudo à nossa volta pareça brilhar e reverdecer ao contrário da nossa pele que se recobre de manchas e de pregas enquanto os cabelos esvoaçam e são levados pelo vento, os ossos rangem e as dores nos assolam...  
Sempre testemunhas de nós... e do mundo. 
Por vezes temos mesmo a sensação que o mundo está a morrer e por vezes há uma parte dele que morre mesmo, e quando isso acontece uma parte de nós acabou também.
Vemos a vida a esvair-se como o sangue a correr de pulsos abertos. 
Não há nada a fazer: teremos sempre a memória dos tempos em que a morte não existia e em que entre nós e o mundo não havia a mínima fissura.