VISÕES DE FERNANDO PESSOA NO METRO DE LISBOA
Regresso à cidade longínqua
num ocaso que se avizinha
que se imagina decerto selvagem
caminho para um sítio e nada me demove
nos comboios subterrâneos
no carril central está escrito
PERIGO DE MORTE
São ímanes do silêncio que vigiavam a minha serenidade
a minha sanidade não me restituem
procedem do infinito e somem-se no infinito
estes comboios são desaparições
são carruagens de metro vazias
e tudo se acalma no seu errante silêncio
Incompreensíveis e melancólicas
lambem-nos as sombras das multidões
um silêncio profundo e terrestre
dormente que se avizinha que se adivinha e ilumina
entre grutas e minas
Indeciso digo então que vi Fernando Pessoa
com um telemóvel numa carruagem de metro
à hora de ponta
a escada rolante Baixa-Chiado estava imobilizada
Pessoa confrontou-se com um dístico que dizia
ATENÇÃO EQUIPAMENTO FORA DE SERVIÇO
Isto nada bate certo
Fernando Pessoa era há muito uma estátua
para fotografias de amantes e turistas
e ninguém espera que ele acorde do seu torpor
Mais tarde porém voltei a fixá-lo noutra estação de metro
impecavelmente vestido com seu estilo sempre lógico
despojado sóbrio talvez uma vez por outra
falasse sózinho
outra vez e finalmente tê-lo-ei visto a jogar dominó num
tabuleiro
de uma tasca sustendo no ombro um papagaio da amazónia
que ele instruía para falar por si
saúdou-me com seu obstinado sorriso de Gioconda
depois foi-se embora para apanhar a última carruagem
vazia da noite...
Vasco Câmara Pestana
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