quinta-feira, 31 de maio de 2012

Kavafis (Junho de 1905)

Recebi a visita de um jovem poeta. É muito pobre, vive da sua produção literária e pareceu-me que sofria ao ver a boa casa onde moro, o meu criado que lhe trouxe um chá bem servido, a minha roupa feita num bom alfaiate. Disse-me: «É horrível ter de lutar para vencer na vida, ter de andar atrás dos assinantes da nossa revista, dos compradores do nosso livro.» Não quis que ele persistisse no seu erro e respondi-lhe com algumas palavras, mais ou menos estas: De facto, a sua situação era desagradável e dura, mas como saíam caros os meus luxos. Para conseguir tê-los, afastei-me da minha linha natural e converti-me num funcionário do Estado (que ridículo), gasto e perco por dia horas preciosas (às quais também somarei as de fadiga e desânimo que lhes sucedem). Que perda, que perda, que traição. Contudo, o pobre daquele rapaz nem uma hora perde; ali está ele, sempre fiel à sua vocação de filho da Arte. No meu trabalho quantas vezes tenho uma bela ideia, uma imagem requintada, como se fossem versos repentinos e acabados, e vejo-me obrigado a ignorá-los porque o dever não espera. Quando volto para casa e descanso um pouco tento recordar-me deles, mas foram-se embora para sempre. Com toda a justiça. Como se a Arte me dissesse: «Não sou escrava a quem possas dizer que vá embora, quando apareço, e volte a correr quando me queres. Sou a Senhora suprema do mundo. E se me expulsas – traidor abjecto – pela tua desprezível boa casa, pela tua desprezível boa roupa, pela tua desprezível boa posição social, contenta-te com isso (se realmente puderes fazê-lo) e com os escassos momentos em que apareço e estás preparado para me receber, à minha espera na porta, como todos os dias devias fazer.»

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