sábado, 10 de novembro de 2012

Deixou de chover o peso dos dias… mas o intervalo é breve. A poesia sobe-me à boca quando o espírito voga entre a vigília e o sonho. Ou quando me acompanha como a minha sombra. Tu és a mão amiga que me dá a mão.



terça-feira, 6 de novembro de 2012





Sacudo por instantes o peso dos dias como quem abana os dedos dos pés nus. Três minutos atrás alguém recitou um poema. Há tesouros à vista de todos e estão escondidos. Nunca reentramos nos dias perdidos: eles é que vêm ter connosco. Amplas horas, o tempo parado. As pessoas transformadas em estátuas. E o sol abençoando tudo.


sábado, 3 de novembro de 2012



[É espantoso quão perto estão os sonhos e os pesadelos...]

(...) pareço que avanço contra teias de aranha que me prendem os movimentos. Teias de aranha, nada que nos impeça de avançar se não as deixarmos acumular. Devo ao que amo o respeito que tenho por mim. Há certas imagens que faço minhas, o quebra-gelos por exemplo, que avança inexoravelmente sobre o mar gelado...
(deixo para outra ocasião os pânicos, intensos e risíveis, e o abandono dos planos pela incapacidade de conceber o tempo).



quinta-feira, 1 de novembro de 2012


Terça-feira de manhã, [17 de  Março de 1942], 
às nove e meia.



   Ontem à noite, quando ia ir ter com ele de bicicleta, havia um grande e aprazível desejo de primavera em mim. E enquanto eu pedalava em cima do asfalto da rua Lairesse, desejando-o e com sonhos na cabeça, senti-me de repente acariciada por um ar tépido de primavera. E subitamente pensei: "Assim também está bem. Porque é que uma pessoa não havia de experimentar uma grande e terna euforia pela primavera e, também, por todas as pessoas?" Uma pessoa pode igualmente encetar amizade com um inverno, ou uma cidade ou um país. Lembro-me da faia cor de vinho, dos meus anos de adolescência. Tinha com ela uma espécie de relação especial. À noite, podia de repente ansiar por ela, e, então, ia visitá-la. Fazia meia hora de bicicleta e depois andava à volta dela, cativada e enfeitiçada pela sua cor carmim. Sim, porque razão é que uma pessoa não poderia sentir amor por uma primavera? E as carícias do ar primaveril eram tão delicadas e tão envolventes, que mãos masculinas, mesmo que fossem as dele, em comparação com elas me haveriam de parecer rudes.
   E foi assim que cheguei a casa dele. O pequeno quarto de dormir apanhava um pouco de luz vinda do quarto de trabalho e, quando entrei, reparei que a cama dele estava aberta e que, dobrado por cima dela, havia um pesado ramo de orquídeas aromatizando o quarto. E na mesinha ao lado da almofada havia narcisos, muito amarelos, tão extremamente amarelos e frescos. A cama aberta e as orquídeas e os narcisos -- uma pessoa nem precisa de se deitar acompanhada naquela cama. Enquanto ali estive, por um instante, naquele quarto meio iluminado, foi como se tivesse tido uma noite inteira de amor. E ele estava sentado à pequena escrivaninha e de novo me saltou à vista como o rosto dele se assemelhava a uma paisagem antiga, cinzenta e gasta.
   Pois, estás a ver, uma pessoa necessita de ter paciência. O teu desejo deve ser como um navio lento e majestoso, navegando no oceano infinito e não à procura de um local onde largar a âncora. E de súbito, inesperadamente, dás de caras com um local onde ancorar por um momento. Ontem à noite, encontrou o seu ancoradouro por um breve instante. (...)





Etty  Hillesum, DIÁRIO, 1941-1943