sexta-feira, 3 de janeiro de 2014


Penso muito nas mulheres da minha vida. Sobretudo nas últimas, porque há mais porquês e estes ainda estão frescos. Aprendi sempre com elas. A limpar a sanita depois de a usar, a dobrar sacos de plástico antes de os arrumar ou a planificar embalagens vazias de leite antes de as pôr no lixo, a ter a disciplina de acordar cedo ou a empilhar os pratos contra a parede no lava-louças. Mas há muito que não vivo uma paixão ardente, já que outras não existem. Dizem – disto não sei nada – que no amor também existe serenidade. Existirá ao mesmo tempo a ferida e a cura, pois no milagre tudo é possível! Penso assim porque não senti o espírito como corcéis à desfilada, o sangue não me toldou os olhos, o coração não rufou como um tambor, não fiquei com falta de ar nem sofria tonturas ao ficar sozinho, a exigência da carne não era avassaladora, as fúrias não me tomaram: não perdi a cabeça. Perdi, isso sim, um pouco mais de inocência, de confiança nos outros e de esperança. Fiquei na berma da baía a ver o vaivém da espuma das ondas, quase mera ondulação. O mar foi um lago, longe de ser um oceano. No amor só ganha quem se rende incondicionalmente. Senti-me traído como quem faz força, em conjunto mas em oposição com outro, para manter uma porta aberta ou fechada e encontra subitamente o vazio quando este desiste e a porta bate estrondosamente. Aprendi que a amizade não pode ser um sucedâneo do amor e que queriam, além do meu coração, a minha alma. Seria impossível sentir-me preso e livre ao mesmo tempo… Os primeiros amores perseguem-me e a viagem não tem fim…


Na mesa ao lado alguém escreve. Alguém escreve talvez histórias de amor enquanto penso no que W. Benjamin dizia sobre escrever os livros que não encontramos e de que gostamos ou que gostaríamos de ler, ou na Susan Sontag que se recriminava por se refugiar na leitura para evitar escrever. Disso já não me posso queixar,  já que cada vez consigo ler menos e o que leio, quando leio, é como se uma fugaz labareda me lambesse os olhos...



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