domingo, 24 de julho de 2022

A propósito de Alphaville, de Godard

Voltei ao mesmo local cinquenta e poucos anos depois. Para tentar perceber. Da razão de ser destas palavras passei a outro motivo mais lato, e mais importante, o que teria acontecido nesses cinquenta anos?
(A verdade é que o que teria então sido anunciado está hoje completamente vigente).

O que se teria passado? Como condensar num relance tantos acontecimentos? Em que uns projectam uma sombra que obscurece outros e os coloca definitivamente longe da luz...
No entretanto, a morte faz ocasionalmente as suas sortidas... como um aguaceiro rápido e repentino. Com a gravidade inexorável de tudo quanto existe neste mundo...
Queixo-me da falta de comunicação: não compreendi a tempo o que me diziam; sempre foi impossível fazer ver aos aos outros o que via; nunca estive ao mesmo tempo que os outros no mesmo sítio... enfim, cheguei sempre antes ou depois. Estive sempre no palco mas ao lado do que se passava na cena.
E de tempos a tempos estas irrupções da presença da morte. Como um gongo ou as pancadas do bastão no teatro que anuncia que o espectáculo se iniciará dentro de momentos.


segunda-feira, 18 de julho de 2022

 Domingo: gente como um enxame de moscas...

Fui dar um passeio para sair de casa pelo menos uma vez, nesse dia. Vivo num ermo, fui até à terra mais próxima. Que saudades da calma e serena vila piscatória que conheci! Liquidaram todos os locais de estadia, encheram as praias, incrementaram o uso dos automóveis e das colunas de som móveis... uma chusma de gente ruidosa e excitada para quem o ruído é necessário para saberem que estão vivos... Infelizmente uma terra quase morta que se ainda resiste é porque tem uma estrutura antiga que permanece em rituais como a tradicional saída da missa dominical...

segunda-feira, 6 de junho de 2022

 Estes cadernos foram sempre uma fórmula de refrigério.

Um parêntesis feliz.

Agora que a exaustão provocada pela febril actividade da minha dispersão se acentua também se condensa a imperiosa necessidade da calma induzida pela reflexão.

Recordo com nostalgia os interregnos da rotina dos dias  e para a aguentar o registo do caudal dos pensamentos e sentimentos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

É com a morte que a vida se mede.
Quanto ao amor, ele é
a ilusão que é mais real
do que a realidade.

(16 de Dezembro de 2011)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

 elevador


Entrei no elevador vazio,
estava escrito na parede:
"Proibido a crianças, 
não acompanhadas de adultos"
E pensei:
"E os adultos 
que levam dentro de si
as crianças?"
Mais:
"Serão crianças os que sabem
o significado
de 'Proibido"?
O meu olhar percorre a linha do contorno da sua perna.
Sinto um arrepio.

sexta-feira, 8 de Março de 2013

 O tempo é elástico, muscular... quanto mais o usamos, mais se dilata... Ao ponto de podermos pensar que ele nada é, nem tem existência, a não ser a de um contentor de factos, de actos, de estados de espírito, de aquilo que fazemos... o passado nem sequer chega a ser tempo, é simples memória: um casarão no nosso cérebro, cujos corredores percorremos nas noites de insónia... o presente é um açude... e o futuro só é quando deixa de ser...