O CUBO
Nasci dentro de um cubo de gelo, em qualquer parte do lodo que atapeta o Mar Azul. Nasceram-me guelras á força de beber água. E aprendi a nadar á força de me afogar. Durante muito tempo naveguei em muitos outros até que, todos, um por um, me vomitaram. Fiquei húmido de tanto me escorregar por milhões de algas e nunca me libertei disso. Mesmo depois de me crescerem braços e pernas. Os líquidos interiorizaram-se e já em terra firme se não era o meu corpo que flutuava era o meu espírito que boiava. E a melhor prova disso é que sempre que metia um dedo nos meus orifícios vinha húmido. Húmido, mas às cores: nos ouvidos – amarelo; na boca – incolor (vejo agora que menti); nos olhos, idem; no nariz – esverdeado ou amarelado; no membro – branco ou amarelo; no rabo – castanho ou verde e se a merda não era lá muito líquida era porque as lágrimas se produziam à distância, lá muito alto. Misturei todas essas cores com saliva e lágrimas como dissolventes e depois, o amarelo, o branco, o castanho e o esverdeado formaram esse tom com que me pintei – cor de areia. E daí também não sei se fiquei assim pela estadia no mar e pelos longos anos de caminho entre ele e a terra firme. Sei que andei muito por aí de quatro, de gatas. E foi assim, no contacto com os calhaus, as plantas e os espinhos espetados no chão, que abri fendas em mim. Principalmente nas extremidades. Quatro nos términos de cada membro e duas na cara à força de pensar que existiam coisas fora de mim. A do cu foi quando engoli toda a merda duma vez para a ir depositando aos poucos. A do membro, essa foi aberta por uns abortos que me queriam perpetuar. A boca rasguei-a por acidente, com os dentes, uma vez que estava a mastigar um pensamento. E descobri pelo tacto, também por acaso, uma montanha. Foi lá que, por contágio com as cabras e os abutres me cresceram cornos e asas. Mas só eram visíveis por pessoas que respirassem o ar daquelas paragens, cujo sangue nos machos era salgado e nas fêmeas era doce.
Desgastei-me nas estruturas de aço da montanha, arrancando pedaços de carne e pondo-os noutros. Fiquei assim até atingir a forma de um mastro ou de um membro imarcescível e ateei a bandeira em farrapos dos meus nervos e proclamei-me louco. Toda a sociedade assistiu, e bateram os martelos. Os parafusos pararam de fecundar as porcas e vieram também assistir, eis porque a montanha, por falta de apoios, desabou com um grunhir e guinchar de ferros riscados. Claro que me acusaram disto tudo. E sentenciaram-me a voltar para o mar, boiando sobre a viga mestra da montanha. Assisti depois, com horror, ao enchimento da maré, até que me dissolveu o corpo cor de areia. Claro que depois cessou a revolta do ferro contra a ferrugem, a harmonia restabeleceu-se e os parafusos continuaram a fornicar, e agora até a eternidade, as porcas, porque tudo se tinha arrependido de se ver dividido.
E se sei tudo isto é porque os ventos e as marés se me conservaram fiéis e transportam agora os meus disseminados grãos de areia a todas as partes do universo.
4 comentários:
Este não é um texto que escreveste no século passado? Parece-me reconhecê-lo. Abraço. Jorge
Amigo, li este texto e lembrei de teu blog... Te mandei, creio, por email tb... grande abraço.
Isabel.
"Hoje em dia a pizza vem congelada, a roupa lava sozinha, o Mc Donalds entrega em casa, e o filme não precisa mais rebobinar.
Ninguém abre a Barsa pra fazer um trabalho, cada um tem seu celular e é tudo tão cômodo que a gente até se esqueceu que nem sempre foi assim.
A tecnologia nos deu um mundo novo: Mais rápido, mais fácil e, antes de mais nada, passageiro. O hotmail rasga automaticamente as minhas "cartas", as fotos somem sempre que o computador estraga, todo mês a Motorola lança quatro ou cinco modelos diferentes de celulares. Estranho? Claro que não!
Já estamos tão acostumados que mal percebemos a insolidez e a instantaniedade das coisas.
E não é à toa... Nos vestimos assim, comemos assim e o mais triste: Nossos relacionamentos também são assim.
A minha geração inventou o "ficar" e admite tranquilamente sexo sem compromisso. Diferente da minha mãe, eu não preciso namorar pra beijar na boca, nem casar pra deixar de ser virgem.
E se aos meus 18 anos eu me sentia em vantagem, hoje eu começo a admirar aqueles tempos...
Para onde foi o romântismo, o amor verdadeiro, as flores, as declarações? O que aconteceu com a intimidade, com o respeito e a confiança? Será que ninguém mais acredita na felicidade calma das terças-feiras chuvosas, na alegria constante de se querer quem se tem?
A verdade é que eu cansei dessas competições infâmes de "Quem demora mais pra responder o telefonema", chega desse teatro infantil do "Vou fingir que eu não vi".
O AMOR é um jogo esquisito, em que só se ganha quando dá EMPATE. Não quero sair por cima, muito menos sair por baixo, o que eu quero é sair ao lado; e de mãozinha dada, se for possível. O consumismo nos induz à um estado de insatisfação permanente, que aplaude o digital e o descartável ; e abomina tudo o que é eterno e trabalhoso. Talvez seja por isso que a idéia de AMAR assuste tanto: A concepção de um sentimento duradouro e complicado contraria os valores vigentes, nos tornando confusos e vulneráveis.
É fácil conquistar um cara por uma noite, é fácil ser atraída por um par de músculos; difícil é querer estar com ele o tempo todo, difícil é NÃO ter MEDO de ser FELIZ!
Eu posso parecer "atrasada" e até um tanto cafona, mas não tenho outra opção. Enquanto a internet não disponibiliza uma versão melhor, eu fico com esse meu coração de sempre, que já não acredita em romances "express", nem se contenta com amostras grátis de amor."
"E assim, ainda, vou dando meus últimos suspiros e energizando almas esperançosas iguais à minha: Viva o amor !"
É TEU?
MELANCIA
Sim, mas falta a citação: «A Esperança é a trela da submissão!»
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