domingo, 12 de outubro de 2008

Séneca, Livro I, «Cartas a Lucílio»,

(não aprecio citações, mas esta vem a propósito)
1
Procede deste modo, caro Lucílio: reclama o direito a dispores de ti, concentra e aproveita todo o tempo que até agora te era roubado, te era subtraído, que te fugia das mãos. Convence-te que as coisas são tal como as descrevo: uma parte do tempo é-nos tomada, outra parte vai-se sem darmos por isso, outra deixamo-la escapar. Mas o pior de tudo é o tempo desperdiçado por negligência. Se bem repararares, durante grande parte da vida agimos mal, durante a maior parte não agimos nada, durante toda a vida agimos inutilmente.
Podes indicar-me alguém que dê o justo valor ao tempo, aproveite bem o seu dia e pense que diariamente morre um pouco? É um erro imaginar que a morte está à nossa frente: grande parte dela já pertence ao passado, toda a nossa vida pretérita é já do domínio da morte!
Procede, portanto, caro Lucílio, conforme dizes: preenche todas as tuas horas! Se tomares nas mãos o dia de hoje conseguirás depender menos do dia de amanhã. De adiamento em adiamento, a vida vai-se passando.
Nada nos pertence, Lucílio, só o tempo é nosso. A natureza concedeu-nos a posse dessa coisa transitória e evanescente da qual quem quer que seja nos pode expulsar. É tão grande a insensatez dos homens que aceitam prestar contas de tudo quanto -- mau grado o seu valor mínimo, ou nulo, e pelo menos certamente recuperável -- lhes é emprestado, mas ninguém se julga na obrigação de justificar o tempo que recebeu, apesar deste ser o único bem que, por maior que seja a nossa gratidão, nunca podemos restituir.
(.........)
Vale (lit. «passa bem»)

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